quinta-feira, 31 de março de 2011

A Mulher da Calcinha de Algodão

Há pouco tempo escutei a história de um amigo – risível, apesar de dramática – do dia em que ele teve a mandíbula descarrilhada ao tentar abocanhar um peito siliconado, tendo de desistir de uma noite de prazeres imensuráveis para ir ao hospital colocá-la no lugar; caso contrário, ficaria igualzinho ao “Tazz” (Diabo da Tasmânia) para o resto da vida.

Na ocasião, lembrei-me de uma crônica do Arnaldo Jabor sobre as mulheres plastificadas, onde ele dizia que as mulheres não são mais para amar e nem para comer. São para “ver”. “Que nos prometem elas, com suas formas perfeitas por anabolizantes e silicones?” “Prometem-nos um prazer impossível, um orgasmo metafísico, para o qual os homens não estão preparados”. Lembrem-se da mandíbula descarrilhada...
Todavia, não vou adentrar nos ramos da filosofia ou da psicologia para tentar explicar o porquê de algumas mulheres mudarem suas formas e personalidades para atrair o sexo oposto, até porque não é minha área. Cada uma usa os atributos que possui, sejam estes naturais ou artificiais, desde que não agridam o que pode significar o céu ou o inferno na vida de qualquer pessoa: a autoestima.
Sempre acreditei que a beleza está na simplicidade, que o “menos é mais”, que a naturalidade e a espontaneidade são mais atrativas que interpretações de papéis ou uso de máscaras mesmo sendo qualidades incompreendidas e pouco valorizadas nos dias atuais, onde a maioria das pessoas ainda vive num mundo de faz-de-conta e de amores mitológicos.
Recebi esta crônica há anos atrás e vou postá-la aqui. O autor soube sintetizar muito bem o que seria a simplicidade numa mulher, mulher esta falível e real, a qual chamou de “A Mulher da Calcinha de Algodão”.

A Mulher da Calcinha de Algodão – André Debevc

Ela anda pela casa com o jeito mais despreocupado do mundo. Cabelo castanho quase ondulado na manhã de uma lembrança. Pegando a torrada besuntada de geleia diet com a pontinha dos dedos, acha que está mais gorda do que queria estar, como toda mulher. É linda em sua imperfeição.
O camisão gigantesco é secular e faz questão de não esconder nenhum furinho feito pelo tempo. Desbotado, é provavelmente uma das coisas que mais guarda o seu cheiro matinal totalmente viciante. O beijo morno, dado ainda nos lençóis, vem em um sussurro ainda ininteligível de que a preguiça era maior que ela e os cabelos desgrenhados pela noite. Nenhuma mulher acorda parecendo que está num anúncio de margarina, mas qualquer propaganda perderia em naturalidade para seus miados, Ela tem manias e defeitos como todo ser vivo e adora me tascar um beijo antes de escovar os dentes.
É uma dessas mulheres mágicas em sua simplicidade. À luz da manhã de um domingo qualquer, lendo seu jornalzinho, pergunta algo que sabe que não sei só para poder fazer graça de mim. Fica feliz quando me ensina uma palavra nova, cantarola uma música que nunca tocou no rádio, mas que ela sabe de cor. Tem calcinhas chiques para ocasiões especiais, cheias de rendas como troféus para quem a despe. Ela sabe onde comprar aquela cinta liga alucinante que faz qualquer homem babar, e certamente tem, pelo menos, uma guardada de forma mais despreocupada possível na gaveta que você nunca abre.
Reclama da minha barba mal feita que, às vezes, roça em sua nuca ou em suas coxas. Adora quando falo do seu umbigo ou quando peço para ela parar de me morder porque marca. Vive falando mal da celulite que imagina estar invadindo seu corpo.
É lasciva o suficiente para conseguir tudo que quer com uma chantagenzinha emocional barata. Chama-me por um apelido que só ela usa e fala sarcasticamente mal de qualquer coisa que eu escreva só para depois pular no meu colo dizendo que era brincadeira. Deixa a gola quase esgarçada do camisão para me mostrar o ombro e, quando salta para pegar mais café, diz-me cinicamente que é para parar de olhar para sua bunda.
A mulher da calcinha de algodão branco. Como tantas outras calcinhas que contam histórias secando nas torneiras do chuveiro. As calcinhas comuns, sem ocasiões especiais, sem desculpas por não serem sempre novas e lindas. A mulher que reclama quando como algo que ela odeia; a mulher que aperta o meu pneuzinho perguntando de quem são aquelas carnes.
Existem poucas cenas mais completas do que assistir ao sono dela em sua calcinha de algodão. Acho que a calcinha me fascina justamente pela sua ideia de cumplicidade. De sempre estar ali. Pendurada no banheiro, dobradinha em cima da cama esperando sumir numa interminável gaveta ou andando pela casa antes de se esconder dentro de uma calça numa terça-feira.
Essa mulher é a que no elevador me puxa com o olhar mais tarado do mundo e, segundos antes da porta abrir, pergunta-me como está o decote. A mulher da calcinha de algodão anda por aí, todos os dias, despercebida em sua simplicidade, fingindo uma timidez educada que esconde seu senso de humor debochado e sua vontade eterna em me ver bebendo vinho nas curvas de suas costas enquanto compromissos esperam.
Ela é uma mulher, como tantas outras, incomparável. Mesmo quando a gravidade inevitavelmente ganha suas batalhas e o tempo a lembre nas aulas de ginástica que ela não tem mais 17 anos. E daí se as pernas forem mais finas do que ela sempre quis que fossem? E daí se seu pé não apareceria em outdoors de sandálias? Sei que ela sempre vai elogiar as magrelas que trabalham como cabides ambulantes para os grandes nomes da moda. Sei que ela sempre vai dizer que eu preferiria ver a Gisele Bündchen de biquíni numa revista do que tê-la ao meu lado. E essa é uma das coisas boas dela. Eu sei de um monte de coisas e ainda não me cansei disso.
A mulher da calcinha de algodão sempre vai ter algo inteligente ou debochado para dizer, sempre vai reclamar que eu deveria dirigir com mais calma e fazer pouco das outras mulheres que forem menos que ela na minha vida. Esta mulher fica menstruada e reclama disso, sempre fala que fica inchada e se acha um “barangão” quando está de mau humor. Esta mulher é falível e real. Além de ser apaixonada por mim – deve andar por aí olhando discretamente para outros homens (sem nunca fazer nada), pode certamente comentar de meus defeitinhos para suas amigas ou ainda sonhar em ir a uma praia sem areia, que se amontoa dentro do seu velho biquíni. Ela vive, toma decisões erradas e ostenta outros milhões de defeitos. Todos eles apaixonantes, porque vêm de alguém real e não de uma boneca de cera sem personalidade que muito homem queria ter para mostrar para os amigos.

terça-feira, 29 de março de 2011

Porto Alegre Antiga

Quartel do 7° Regimento – após, em 1910, Polícia do Exército.
(Demolido para a construção de um viaduto)


 Asilo Padre Cacique em 1898 – O rio ficava quase defronte.

 Avenida 13 de Maio em 1915 – Hoje Avenida Getúlio Vargas.


Mercado Central – década de 50.
(No lugar, está a Estação Centro do Trensurb)


Cais do porto atrás do Mercado Público.


Avenida Independência – 1925.



 Avenida Getúlio Vargas, em 1940, com as palmeiras imperiais crescendo.
Ao fundo, a antiga Igreja do Menino Deus (demolida).


Avenida Osvaldo Aranha, sem as palmeiras, já com os bondes,
defronte ao Cinema Baltimore.



Praça da Matriz – década de 20, à direita, o antigo Auditório Araújo Viana.

Praça Parobé – 1878, à esquerda, ao fundo, o Mercado Público.



Praça XV - 1900, à esquerda o antigo Edifício Malakof.


Enchente de 1941 – ao fundo, Prefeitura, à esquerda, e o Mercado Público, à direita


 

segunda-feira, 28 de março de 2011

Os 239 anos de Porto Alegre

Em 26 de março de 1772 nascia Porto Alegre, a capital do Rio Grande do Sul. Em homenagem aos 239 anos da minha valorosa cidade, posto alguns dados históricos com a colaboração do meu primo, Nilo Moraes, ex-paraquedista do Exército, professor de Português, assador, pescador, contador de histórias, fanático por sorvetes da Kibon, gaúcho de nascimento, mas carioca de coração.


PORTO ALEGRE


 Até hoje não houve consenso sobre a origem do nome de Porto Alegre. Alguns historiadores afirmam que a excelente localização e o encantamento dos morros inspiraram a denominação. Existe a versão perpetuada pelo historiador Walter Spalding, de que o coronel José Marcelino de Figueiredo (fundador de Porto Alegre) teria se inspirado na Portalegre (uma só palavra) do Alto Além Tejo, em Portugal, cidade mítica, marco da resistência nas lutas contra os hispanos no século 14. Segundo o historiador, mesmo não sendo desta região, Marcelino quis homenagear a lendária resistência. Portanto, o nome seria uma “inspiração patriótica portuguesa”.

OS NOMES DE PORTO ALEGRE


-  Porto de Viamão (por volta de 1730)

-  Porto dos Dorneles (por volta de 1740)

-  Porto dos Casais (por volta de 1752)

-  Porto de São Francisco dos Casais (1772)

-  Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre (1773)

-  Vila de Nossa Senhora Madre de Deus de Porto Alegre (1809)

-  Cidade de Porto Alegre (1822)

-  Leal e Valorosa Cidade de Porto Alegre (a partir de 1841)

O BRASÃO

O título de “Leal e Valorosa Cidade de Porto Alegre” é o reconhecimento do Império pelas ações dos legalistas na retomada da capital, em junho de 1836. O original, de 19 de outubro de 1841, grafava “valorosa”, mas, por erro do secretário da Câmara, repetido depois por certos escritos históricos, o arcaísmo “valerosa”, estampado acima do brasão, foi perpetuado. O brasão mostra a Cruz de Malta, que indica a origem portuguesa, o Portão Simbólico, que lembra resistência, e nau Nossa Senhora da Alminha, que trouxe os primeiros açorianos para a nossa cidade.
Leal e Valorosa: Título nobiliárquico que Dom Pedro II outorgou a Porto Alegre pela sua fidelidade ao trono português.


Ü Listel de Gole: carregado das letras de prata recorda o heroísmo da nossa gente nas lutas políticas e sociais.
Ü A Coroa Mural de Ouro: de cinco torres significa cidade grande, cidade cabeça, capital.
Ü A Cruz de Malta indica origem portuguesa da cidade.
  Ü O Portão Simbólico que lembra resistência.
  Ü A Nau Nossa Senhora da Alminha que trouxe os primeiros açorianos a Porto Alegre.

   
 

AS CORES
(Conjunto de esmalte e metais)

    O ouro: (com a Cruz de Malta) Þ Símbolo da fidelidade.

    O azul: (com o Portão Simbólico) Þ É o céu sereno do Rio Grande do Sul.

    O verde: (com a Caravela) Þ As campinas verdejantes do solo sagrado gaúcho.

    O vermelho: (do Listel de Gole) Þ Significa fé e amor.

    O prata: (da frase) Þ Significa a seriedade de nossa gente.

O CRIADOR

O Brasão de Porto Alegre foi criado por Francisco Bellanca, em 19 de outubro de 1841, e  aprovado pela Lei nº 1030, de 22 de janeiro de 1953.


A BANDEIRA
(Criada em 12 de julho de 1974)



O HINO DE PORTO ALEGRE
(Autor Breno Outeiral – Decreto nº 8451, de 24.07.l984)


Porto Alegre “Valerosa”
Com teu céu de puro azul
És a jóia mais preciosa
Do meu Rio Grande do Sul.

Tuas mulheres são belas
Têm a doçura e a graça
Das águas, espelho delas,
Do Guaíba que te abraça.

E quem viu teu sol poente
Não esquece tal visão
Quem viveu com tua gente
Deixa aqui seu coração.
 

sexta-feira, 25 de março de 2011

Heróis Anônimos

Marlon se garante, não se preocupem” – foi o que ouvimos a nossa guia dizer ao sairmos da Casa Pueblo, em Punta Ballena, no Uruguai, e prepararmo-nos para ir embora. Tais palavras não precisariam ser ditas, caso Marlon, o nosso motorista, fizesse o que todos os outros motoristas fizeram com seus respectivos ônibus, ou seja, dar uma ré até onde havia espaço suficiente para manobrar um ônibus gigantesco e retornar para a estrada no sentido inverso. O problema é que Marlon não agiu como os outros. A fim de causar-nos um pouco de “adrelina”, avançou cada vez mais pelo promontório onde havia espaço para somente um veículo de cada vez. No final deste havia uma curva fechadíssima, onde ficava evidente que ele não conseguiria efetuá-la de uma vez só. Seria preciso várias manobras, na beira do penhasco, para fazer com que o ônibus se endireitasse de vez.
Os passageiros, em sua maioria pessoas de idade, ficaram apreensivos e alguns até pensaram em descer do ônibus e esperar na estrada, sãos e salvos de uma possível queda livre pelo penhasco. Confesso que até eu pensei em descer, mas ao ouvir as palavras da nossa guia –“Marlon se garante” -, relaxei. E a tensão deu lugar a uma estranha segurança. Se ele se garante, então nada devo temer – foi o que pensei. Mas isso não me impediu de sentir um frio na barriga cada vez que o ônibus ficava perto demais do que seria uma queda pelos rochedos. Finalmente, conseguimos retornar com segurança e Marlon teve os merecidos aplausos pelo profissionalismo e coragem.
Por mais que eu saiba que sentir insegurança em determinados momentos faz parte da natureza humana, admiro essa fé que muitas pessoas têm em si mesmas. Uma pessoa insegura não realiza nem metade do que uma que seja segura de si realiza ao longo do caminho, seja em qualquer âmbito da existência. Pessoas seguras ousam mais, amam mais e vão em frente sem premeditar maus resultados, pois sabem que dificilmente irão errar. Até podem errar, mas como saberão se não tentarem?
Sentir medo é normal, mas ter controle sobre esse medo é prerrogativa de heróis. Leio todos os dias noticias sobre tragédias, pilantragens por parte de servidores públicos, má fé por parte de certos legisladores que desviam dinheiro do erário público para suas cuecas, atitudes desumanas de cidadãos desequilibrados que jogam carros por cima de ciclistas ou de transeuntes, mas raramente leio sobre ações de pessoas que esqueceram o próprio medo para ajudar os outros ou para vencer na vida. Além da generosidade e do amor ao próximo, também a coragem distingue uma alma nobre de uma perversa. Só que “almas nobres” não vendem jornais tanto quanto a miséria moral e material venderia.  O que acusa um bom desempenho na contabilidade midiática é o que a natureza humana tem de mais sórdido, os escândalos, os crimes, as aberrações.
Quando criança, em 1977, emocionou-me o exemplo do Sargento Silvio Hollembach, herói que morreu ao salvar um menino de treze anos de um poço de ariranhas, em Brasília. Naquela época, onde a imprensa não possuía tanta liberdade devido à ditadura imposta pelos militares e existiam “censores” que peneiravam as notícias antes delas chegarem à população em geral, não era desabado sobre leitores e telespectadores tanto excesso de violência e de mau gosto. Tínhamos acesso somente ao que poderia servir de bons exemplos de moral e civismo. Não estou defendendo a ditadura ou sendo contra a liberdade de imprensa; apenas acho que grandezas humanas também dão boas matérias aos profissionais da mídia e deveriam ser mais exploradas.
Hoje nossos jovens assistem a filmes como “Bruna Surfistinha”, que nem sequer pode ser considerada anti-heroína. Se ela tivesse aproveitado a grande oportunidade que teve na vida, se tivesse sido corajosa, se tivesse tido fé na própria capacidade, seria tão heroína quanto aquela mãe que deixa seus filhos todos os dias numa creche e vai trabalhar em dois empregos para poder sustentá-los de forma digna, ou como a jovem que sai da pobreza do interior e vem à cidade para estudar, formar-se, matar-se estudando para passar em concurso público e crescer por seus próprios méritos.
Nossos jovens assistem, também, a filmes como “Meu Nome não é Johnny”, que conta a trajetória de um jovem de classe média alta do Rio de Janeiro. Mesmo sendo adorado por seus pais, aventurou-se no mundo do tráfico e, mesmo sendo investigado e preso, tornou-se quase um rei. Assim como a “surfistinha”, sua história também mereceu ser transformada em livro e, posteriormente, em filme brasileiro, no qual foi retratado com muita simpatia.  Também nem para anti-herói ele serve. Seria um herói caso tivesse seguido o exemplo do jurista Joaquim Barbosa, primeiro afrodescendente a ser ministro do STF. Um dos oito filhos de um pedreiro e de uma dona de casa, aos 16 anos já era arrimo da família, arranjou emprego, estudou e escalou os mais altos degraus da vida.
Será que a vida de um homem afrodescendente que resistiu a condições adversas - que estudou quando o esperado era abandonar-se ao meio onde vivia; que não cedeu às tentações da droga e do crime; que alcançou o sucesso através de muito estudo e dedicação; que teve a coragem e a ousadia de anular um destino que traçava um fracasso anunciado - daria um bom filme que pudesse servir de exemplo aos jovens a ponto de ser exibido até em salas de aula?
Os heróis com os quais costumava sonhar antigamente estão cada dia mais longe dos meus olhos e ouvidos. Consola-me o fato de saber que ainda existem heróis anônimos por aí, que me comoverão cada vez que eu ler notícias sobre a libertação de algum jovem sequestrado, de pessoas sendo resgatadas de rios transbordantes, de vítimas sendo desenterradas ainda vivas de escombros ou de paramédicos tentando vencer o tempo.  Essas pessoas não têm direito a livro biográfico, não virarão manchetes em jornais e nem terão seus nomes inscritos na calçada da fama como tantos “johnnys” e “surfistinhas”, mas jamais poderão ser consideradas covardes, medrosas ou omissas nem com os outros e nem consigo mesmas.
Maus exemplos duram apenas o tempo em que a fama permitir e serão usados como instrumentos de marketing, mas um instantâneo que seja de grandeza moral perdura na alma a vida inteira. Eu tinha apenas 13 anos quando me emocionei com o ato de heroísmo do Sargento Silvio Hollembach, e ele até hoje não sai dos meus pensamentos. 
Meus heróis e heroínas serão sempre aqueles que conseguiram ultrapassar o ponto pelo qual não passa a coragem humana, que deram sentido e dignidade ao ato de viver, que são de carne, sangue e alma, e que, apesar dos tempos terem mudado, ainda servem de exemplos a serem copiados.

sábado, 19 de março de 2011

Anti-Heróis Inesquecíveis

Já me referi às anti-heroínas que preencheram minhas horas de lazer com suas atitudes emocionantes e nada convencionais. Agora vou citar os meus mais amados anti-heróis, aqueles que sempre povoaram meu imaginário.
Chamo-os de anti-heróis porque praticam a justiça por motivos egoístas, pessoais ou por vaidade, e matam não por motivos altruístas, mas por vingança. Por serem sujeitos carismáticos, e tendo objetivos justos ou ao menos compreensíveis, jamais poderiam ser considerados vilões. Suas atitudes, mesmo levando outras pessoas à morte e ao sofrimento, são consideradas lícitas e sempre obtêm aprovação.
São estas as principais características de um anti-herói, o que o torna muito mais interessante que muito “certinho” inexpressivo e insosso: alto nível de inteligência e percepção, esperto e portador de habilidades especiais, sofisticação e introspecção, mistério, magnetismo e carisma, poder de sedução e atração sexual, conflitos emocionais, desgosto por instituições sociais e normas, desrespeito a hierarquias e privilégios, entre outros.

PERSONAGEM V, DO FILME “V DE VINGANÇA”


"A anarquia ostenta duas faces: a de Destruidores e a de Criadores. Os Destruidores derrubam impérios, e com os destroços, os Criadores erguem mundos melhores." (V)
"Um homem pode morrer, lutar, falhar, até mesmo ser esquecido, mas sua ideia pode modificar o mundo mesmo tendo passado 400 anos." (V)
Por trás desta máscara existe uma ideia. E ideias são à prova de balas”. (V)

V, do filme “V de Vingança”, é um terrorista mascarado cujo objetivo é explodir o Parlamento da Inglaterra e, dessa forma, estimular as pessoas a abandonar a apatia, pensarem por si mesmas e reassumirem o controle das próprias vidas.
É um personagem enigmático e fascinante, sempre mascarado e vestido de negro, que cita Shakespeare enquanto maneja facas com velocidade e destreza impressionantes, passando à plateia uma imagem poderosa e inesquecível.
É um romântico à moda antiga, culto, com gosto pela erudição e extremamente habilidoso, encantando o telespectador pela mensagem de esperança, mesclando falas otimistas, poéticas e ao mesmo tempo irônicas e contundentes.
Mas o que me marcou mesmo foi a excelente atuação do ator Hugo Weaving. Apaixonei-me por sua voz cadenciada, sua postura cênica, sua retórica fantástica. Soube transformar o personagem num ícone de educação e cavalheirismo, mesmo sendo um combatente, um expert na arte da falácia e do logro.
Enfim, o filme foi tão bom, o anti-herói tão carismático, que fiquei apaixonada. Além disso, consegue prender a atenção do início ao fim e as falas são marcantes.

HEATHCLIFF – DA OBRA “O MORRO DOS VENTOS UIVANTES”


Se olho para essas lajes, vejo nelas gravadas as suas feições. Em cada nuvem, em cada arvore, na escuridão da noite, refletida de dia em cada objeto, por toda a parte eu vejo a tua imagem. Nos rostos mais vulgares dos homens e mulheres, até as minhas feições me enganam com a semelhança. O mundo inteiro é uma terrível testemunha de que um dia ela realmente existiu, e eu a perdi para sempre.” (Heathcliff)
Onde está ela? Não está lá...não está no céu ...não morreu....onde é que ela está? ....Eu não posso viver sem a minha vida! Eu não posso viver sem a minha alma”. (Heathcliff)                      

Apaixonei-me por este personagem tão passional, atormentado e vingativo desde o primeiro capítulo do livro. Ao saber do noivado de sua adorada Catherine com seu rival Edgar Linton, Heathcliff deixa o Morro dos Ventos Uivantes, retornando mais tarde rico e com sede de vingança, por ter sido privado da presença dela. Quer despejar seu ódio sobre todos os que considera culpados por seu sofrimento, sentimento este que se intensifica após a morte de Catherine. Não contente em se vingar dos seus contemporâneos, vinga-se também na geração seguinte, mais precisamente nos filhos de Catherine e de Hindley, irmão dela, que o humilhava desde que eram crianças.
O apaixonado e passional Heathcliff é o arquétipo do herói byroniano, cuja paixão é tão intensa que chega a destruir a si mesmo e aos outros a seu redor.

MAXIMUS – DO FILME “O GLADIADOR”


Meu nome é Maximus Decimus Meridius, comandante dos exércitos do Norte, General da Legião dos Félix, servo fiel do real Imperador, Marcus Aurelius. Pai de um filho assassinado, marido de uma esposa assassinada, e eu terei a minha vingança, nesta vida ou na outra”. (Maximus)
O que fizemos em vida, ecoa na eternidade”. (Maximus)

É de arrepiar, não?
Depois de escapar da morte, Maximus só consegue sobreviver tornando-se escravo e passa a treinar para ser gladiador na arena, onde sua fama cresce. De volta a Roma, sua intenção é vingar os assassinatos de sua mulher e de seu filho, matando o novo Imperador.  Maximus sabe que o único poder mais forte que o do Imperador é o desejo do povo, tornando-se, assim, o maior herói de todo o Império, só para realizar sua vingança.
Apesar de sua sede de vingança, em nenhum momento ele perde a sua honra e dignidade. Mata, mas somente para defender-se e provar sua força a fim de se tornar um herói.
Nos estudos filosóficos de Platão, na Grécia antiga, os quatro principais valores do homem eram as seguintes: a) Justiça, que ordena e harmoniza; b) Prudência ou Sabedoria, que é a virtude da própria alma racional; c) Fortaleza ou Valor, onde o prazer é subordinado ao dever e não o contrário; e d) Temperança, equivalente ao autodomínio, à harmonia individual.
E nosso gladiador possui todas essas virtudes e muito mais. É um típico herói: conquistador, forte, másculo, honesto, justo, desejado, sedutor, fiel, amoroso, glorioso, misericordioso, libertador, possui espírito de liderança, bravura, sabedoria, resistência, temperança, coragem, devoção, virtuosidade etc.
Enfim, o máximo!

ERIK, O FANTASMA DA ÓPERA – DO FILME “THE PHANTOM OF THE OPERA”


Uma odiosa gárgula que queima no inferno, mas que deseja o céu”. (Erik)
Você é a única que pode fazer minha canção voar, ajudar-me a fazer a música da noite”. (Erik)

Há anos em cartaz em várias partes do mundo e filmado em diversas versões para o cinema, o que atrai tanto as pessoas para esse personagem tão enigmático?
O Fantasma da Ópera combina vários ingredientes: romance, horror, ficção, mistério e tragédia. É a história de um amor sombrio e obcecado, na Paris de 1870, de um homem atormentado pela sua deformação por uma soprano que ele ajudou a elevar. A força desta obra está na simbologia, com forte presença de figuras e arquétipos que dominam os personagens principais, destacando a luta de Christine entre o real (Raoul) e o imaginário (Erik).
Erik sofre imensamente quando percebe que Christine prefere o belo e rico, Raoul, a ele, uma criatura cuja deformidade do rosto também deformou sua alma, por anos de humilhações e de desprezo. Ele implora, através da música, que Christine, seu grande amor, compartilhe de sua vida, salvando-lhe da solidão e regenerando seu espírito tão atormentado pelos anos de desamor. Ela encanta-se com ele, por julgá-lo um gênio perfeito, mas ao arrancar-lhe a máscara, depara-se com a mais horrenda das criaturas. Entre o belo e o feio, ela prefere Raoul, com suas feições finas e aristocráticas. Erik, desesperado, tenta de todas as formas atraí-la para si, inclusive raptando-a e levando-a para as profundezas de seu esconderijo. E o que Erik poderia oferecer a ela senão uma vida de obscuridade, sua vida e seu amor? Christine sempre o olharia com repugnância, não por causa de sua deformidade física, mas pela perversidade de sua alma. Compreendendo que ela teria um futuro melhor com seu rival, deixa-a livre. Então, quebra todos os espelhos que refletem não apenas seu rosto, mas também suas impossibilidades, sumindo no vazio de sua solidão.
Restam, assim, a mocinha e o mocinho felizes para sempre e o vilão, derrotado.
A obra é triste, muito triste, talvez a mais triste jamais escrita. Fico pensando: se ela tivesse dado uma chance ao fantasma, será que não poderia tê-lo transformado num ser melhor? Quantos “fantasmas” não existirão por aí, ansiando por serem amados, mas que são preteridos  em nome da felicidade de seres que se julgam perfeitos e, por isso mesmo, pensam ser mais merecedores de amor e de consideração?
Odiei Christine, a ingrata, e Raoul. Amei o anti-herói que lutou tanto e que perdeu para a beleza plástica e a riqueza. Poderia ter sido salvo.
Erik, devastado em sua dor pelo amor não correspondido, merecia mais um final feliz do que os tediosos protagonistas....e mocinhos.
Que vivam sempre os anti-heróis. Sem eles, jamais existiriam excelentes obras e magníficos filmes.
E nem uma loba aqui, babando de admiração sobre o teclado, enquanto digita estas linhas.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Mocinhas, Vilãs e Anti-Heroínas

Sempre preferi as anti-heroínas - ou vilãs, como desejarem - às “mocinhas”, de todos os romances que li.  Mulheres açucaradas, dóceis e submissas jamais me causaram comoção e nem a sensação de ter o peito apertado. Para as “mocinhas” da história, tudo dá certo no final, basta que fechem a boca, os olhos, tapem os ouvidos e chorem muito. Fácil demais e qualquer tolo concorda. Sem contar tudo o que têm de suportar para manter o afeto de seus enamorados, chegando às raias da despersonalização. Aí, tudo se torna previsível demais. São elas que sobreviverão a todos os percalços e serão lembradas como ícones de bondade e abnegação.

Mas há muita diferença entre ser a anti-heroína e a vilã da história. Vilãs são malévolas, traiçoeiras e fazem qualquer coisa para obter o que desejam; até mesmo atentarem contra a vida de quem ousar opor-se a elas. Essas sempre morrem no final – e merecidamente. Já as anti-heroínas, não são tolas ou boazinhas o suficiente para serem “mocinhas” e nem tão malévolas a ponto de serem vilãs. São mulheres que sempre defendem seus pontos de vista, disso jamais abrindo mão. São orgulhosas e não suportam amadorismo por parte de seus parceiros. É claro que são dadas a certas vilanias, mas quem disse que elas desejam ser perfeitas?

As ”mocinhas” da história sempre serão consideradas santas, e qualquer um pode amá-las, até mesmo os desalmados e os falaciosos que se aproveitam de suas santas ingenuidades. Serão muito semelhantes às mães de seus parceiros e a maioria dos homens prefere que seja assim.

Amar uma vilã – ou anti-heroína – é mais difícil: requer certa santidade, pois, se o homem não for um santo, transformar-se-á num diabo. Cá entre nós: santos não existem a não ser em orbes celestiais. Então, o melhor é que o homem seja homem, muito homem, inteligente, esperto e extremamente estrategista para conseguir o coração dessa mulher tão intuitiva, complexa e nada incauta. Uma vilã não é para qualquer um, pois ela não respeita quem seja menos que ela.

Talvez seja por isso que muitos preferem as “mocinhas”. Elas não dão muito trabalho. Basta que a insatisfação pela própria existência de um encontre espaço no coração carente do outro. Entendam isso como encontro de almas, espíritos, discursos românticos, teorias de relacionamento, anjos, gnomos, fadas, príncipes encantados e interpretações filosóficas.

Vilãs dão muito trabalho. Para começar, são mulheres que nada têm de incorpóreas ou etéreas. Nada desvia seus olhares do real. Em vez de poesia, é a excitação do momento que conta. Em vez da conexão espiritual, é o toque e o cheiro que a farão optar por um amor não vivido a um amor mal vivido.  Vilãs não são resignadas e nem conformistas, são guerreiras mesmo que se deem mal no final. Nenhuma transcendência espiritual paga a liberdade de ser o que se é e estão pouco ligando para normas e convenções sociais. Antes reinar no inferno do que servir no paraíso (tocar harpa, usar batinha cor de rosa e fazer xixi pelo umbigo deve ser horrível).

Jamais fui a “mocinha” das histórias que vivi e nem a vilã. Prefiro o epíteto de anti-heroína, mesmo que já tenha sido designada por vários outros codinomes, tais como: cartesiana, lacaniana, prolixa, impulsiva, agressiva, instável, inconstante, maquiavélica, proteiforme etc. Infelizmente, mil e uma desculpas são inventadas para justificar o fato de uma mulher fugir de certos padrões impostos pela sociedade e ter personalidade própria.  Então, inventam essas coisas quando o mais correto seria aceitar que nem todas as mulheres nasceram para a subserviência. Pior é quando inventam que a nossa famosa “intuição feminina” não passa de “minhocas nas nossas cabeças” ou que a nossa inteligência é artificial, o que nos transforma em robôs sem alma.

Como sempre amei as vilãs e anti-heroínas, justamente por serem as maiores suscitadoras de emoções que existe, vou enumerar as minhas personagens preferidas. Toda é qualquer semelhança comigo será mera coincidência.


AURÉLIA CAMARGO – ROMANCE “SENHORA”, DE JOSÉ DE ALENCAR



Aurélia é a protagonista do romance, uma jovem mulher dividida entre o amor e o ódio, o desejo e o desprezo pelo homem que ama. Essa personalidade dividida apresenta um desvio psíquico ocasionado a partir do rompimento do noivo, Fernando Seixas, que a troca por uma mulher de mais posses, o que causou certo caso de esquizofrenia na personagem.

Todavia, Aurélia é decente e apaixonada por Fernando Seixas. A decepção amorosa transforma-a num mulher vingativa e fria, mas que não consegue disfarçar seu verdadeiro sentimento por Seixas. De personalidade forte, carregada de sentimentalismo romântico, sua personalidade é marcada por extremos psíquicos: dá maior valor aos sentimentos, mas vale-se do dinheiro que herdou de um parente para atingir seu objetivo de obter o grande amor de sua vida. Todavia, sua aparente esquizofrenia a conduz à dúvida quanto às intenções de Fernando Seixas. O comportamento esquizoide manifesta-se nas atitudes antiéticas de desejar o amor do marido com todas as suas forças, mas lutar contra o mesmo até suas últimas reservas.

De "régia fronte, coroada de diadema de cabelos castanhos, de formosas espáduas", essa personagem, no entanto, é ao mesmo tempo "fada encantada" e "ninfa das chamas, lasciva salamandra". Ao estereótipo da "mulher-anjo" romântica, o narrador acrescenta, assim, um elemento demoníaco, elemento que, em vez de explicitar, deixa sugerido, "sob as pregas do roupão de cambraia que a luz do sol não ilumina", e também "sob a voz bramida, o gesto sublime, escondendo o frêmito que lembrava silvo de serpente" ou quando "o braço mimoso e torneado faz um movimento hirto para vibrar o supremo desprezo". Tal caracterização, por sua vez, humaniza a personagem, afastando-a do maniqueísmo romântico e acrescentando-lhe traços realistas.

SCARLETT O’HARA, DO FILME “E O VENTO LEVOU” (1939)



Era uma jovem mimada e petulante, admirada por sua beleza e adorada por praticamente todos os homens de sua comunidade. A única coisa que não conseguia era o amor da pessoa que realmente a interessava. Frustrada porque o homem por quem era apaixonada casou-se com outra, torna-se o oposto de sua rival: inconstante sentimentalmente, instável emocionalmente, manipuladora, egoísta e superficial, procurando sempre ser o centro das atenções e agindo de modo dramático, exibicionista e exigente.

Scarlett é uma personagem cativante demais, mesmo em suas atitudes irritantes e mesquinhas, graças à interpretação de Vivian Leigh, que a soube incorporar perfeitamente, dando-lhe vida através dos gestos e do olhar expressivo.

Mas, anti-heroínas têm salvação. Somente quando é obrigada a lutar pela sua sobrevivência, ao passar pelo sofrimento da fome e da pobreza, é que surge a veia de luta e a força interior em Scarlett, o que a transforma numa grande otimista apesar das dificuldades, pois, afinal, “amanhã é outro dia”.


CATHERINE EARNSHAW – DA OBRA “O MORRO DOS VENTOS UIVANTES”.



Jovem mimada, de espírito livre, ama Heathcliff tanto quanto ele a ama, porém não o considera digno de ser seu marido. Casa-se então com o rico Edgar Linton. Anos mais tarde, após o retorno de Heathcliff, as constantes disputas dos dois homens por seu amor deixam-na debilitada mental e fisicamente, pois se vê dividida entre a segurança e a estabilidade de Edgar e o amor profundo por Heathcliff, cuja natureza passional é idêntica a dela.

Catherine também é descrita como uma pessoa de temperamento explosivo, de sentimentos intensos e, por vezes, passionais. Ela também demonstra dificuldade em controlar suas emoções, possuindo acessos de fúria incontroláveis (a cena em que destrói um travesseiro de penas é impagável).

Catherine morre no final, mas não era uma vilã. Apenas era uma mulher que vivia na linha tênue entre a loucura e a normalidade, devido ao grande amor que nutria por Heathcliff.

Uma das passagens que mais me emocionou é quando ela diz a Nelly: “Qual seria o sentido de eu ter sido criada, se estivesse contida apenas em mim mesma? Os grandes desgostos que tive foram os desgostos de Heathcliff, e eu senti cada um deles desde o início: o que me faz viver é ele. Se tudo o mais acabasse e ele permanecesse, eu continuaria a existir; e, se tudo o mais permanecesse e ele fosse aniquilado, eu não me sentiria mais parte do universo. Meu amor por Linton é como a folhagem de um bosque: o tempo o transformará, tenho certeza, da mesma forma que o inverno transforma o arvoredo. O meu amor por Heathcliff lembra as rochas eternas: proporciona uma alegria pouco visível, mas é necessário. Nelly, eu sou Heathcliff! Ele está sempre, mas sempre, no meu pensamento; não como uma fonte de satisfação, que eu não sou para mim mesma, mas como eu própria”. 


LADY MACBETH – DA TRAGÉDIA “MACBETH”, DE WILLIAM SHAKESPEARE



Lady Macbeth é, sem dúvida, uma personagem poderosa, a força que cria toda a ação trágica da peça.

O poder de Lady Macbeth não está no fato dela ter se tornado uma rainha, uma mulher politicamente poderosa, mas no fato dela ser capaz de todos os atos para obter o que deseja, manipulando seu marido e induzindo-o a matar pelo poder e o trono do reino. Ela não usa seu poder agindo, matando, guerreando: ela pensa e induz a ação, utilizando seu poder e seu conhecimento sobre o marido para manipulá-lo e guiá-lo a fazer suas vontades, é ela quem não se conforma por estar numa posição que a desagrada. O amor que existe nela é pelo poder, que no decorrer da peça também invade seu marido.

Poder é impor sua vontade acima da vontade dos outros, tornando a política algo insano e sem regras. Lady Macbeth agiu politicamente, conquistou o seu poder, o impôs sobre a vida do rei sem pensar em moralidades ou um bem que não fosse seu.

Muitos interpretam a Lady como uma personagem amoral, fazendo uso da perversidade, meios criminosos, sem problema algum em ser contrária às leis humana e divinas, mas ela soube ser esposa e estrategista ao mesmo tempo, se valendo de todas as possibilidades. As articulações racionais não são na peça uma especificidade masculina e nem a mulher da peça é carregada de emoção ou tem suas ações guiadas pelo marido. Ela é a cabeça pensante e não a mulher assexuada, mãe, mulher submissa, símbolo do bem. Lady Macbeth, por sua pura vontade, faz o mal que deseja parecer um bem.

Ao final da peça, tanto Macbeth quanto Lady são eliminados, porém, em nenhum momento se vê a redenção de nenhum deles, pois o mesmo mal que destrói é aquele que gerará o bem, através da reflexão e da moralização na política.


SUSAN CALVIN – DO CONTO “INTUIÇÃO FEMININA” E DE VÁRIOS OUTROS DO ESCRITOR ISAAC ASIMOV.

Isaac Asimov é um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos. Seus livros “Eu, Robô” e os “Os Novos Robôs” contêm as famosas “Três Leis da Robótica”, que regeriam toda a atitude das máquinas frente aos humanos.
Nos contos desses livros há a quase onipresença de uma personagem, a robopsicóloga Susan Calvin. Magra, de pequena estatura, ríspida, intolerante – diziam que ela própria era um robô, de tanto que defendia as máquinas em relção aos seres humanos.
Susan foi um dos personagens mais ricos de Asimov, sempre apresentada como uma mulher extremamente inteligente, embora emocionalmente fria, que costumava bater os homens em seu próprio jogo, sem pedir favores. Asimov confessava ter se apaixonado por esta personagem, a ponto de ter expulsado Powel e Donovam das histórias de robôs.
Ela não é tão fria e indiferente quanto aparenta ser, mas para ela a mente é mais importante do que sentimentos. É uma personagem que transita entre o sujeito histórico ativo e passivo, a heroína e anti-heroína, a frieza racional e a instabilidade emocional. Ambígua, densa e fascinante: assim é Susan Calvin, essa grande mulher criada por Isaac Asimov.
Sob a capa de uma inteligência frígida e de um  pragmatismo impassível, a Dra. Calvin oculta uma Susan repleta de angústias e emoções frágeis, com medo de errar e que até já sufocou uma paixão. Tanto estudo, dedicação e confiança destinados aos robôs é uma canalização da descrença e íntimo desdém que sente pelos humanos (infalibilidade ética dos robôs X suscetibilidades e imperfeições do homem).
Para finalizar, cito duas frases memoráveis da Dra. Susan Calvin:
Vocês, homens, tendo de se defrontar com um a mulher que chega a uma conclusão correta, e incapazes de aceitarem o fato de que ela é igual ou superior em inteligência a vocês, inventam alguma coisa chamada de intuição feminina”.
“Às vezes é difícil escolher se devemos nos sentir revoltadas com o sexo masculino ou simplesmente colocá-lo num plano de coisas desprezíveis”.

Anti-heroínas não suportam ser subestimadas. Aliás, para alguns, mulheres poderosas são insuportáveis, e são justamente as que se interessam pelo mundo masculino e se mostram racionais e não emocionais é que são as mais insuportáveis. Todavia, são elas que fornecem os melhores enredos.

Se você não está preparado para uma mulher forte, esqueça todas essas anti-heroínas e vá ler algum antigo romance da Bárbara Cartland ou vá buscar seu par em algum Centro Espírita, pois as duas alternativas possíveis para suportar uma anti-heroína são: ame-a ou deixe-a, mas jamais a engane ou a faça de tola, pois correrá o risco de enxergar em uma só mulher todas as forças devastadoras da natureza humana.