domingo, 31 de julho de 2011

Quero Sim – Paula Fernandes

“Eu não sou palavra,
Eu não sou poema
Sou humana, pequena,
A se arrepender...”

Linda canção com a Paula Fernandes.




O que há em mim é sobretudo cansaço – Álvaro de Campos

O que há em mim é sobretudo cansaço.
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa alguma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas,
Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada –
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles, a vida vivida ou sonhada,
Para eles, o sonho sonhado ou vivido,
Para eles, a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim, só um grande, um profundo,
E, ah, com que felicidade, infecundo cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Ìssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Crônica da Vida Moderna I – O Calvário dos Amantes

Cansado do feijão com arroz e da apatia da esposa, Jair sucumbiu ao assédio – e às curvas - da Sandrinha, uma amiga da academia.  Era inevitável que ele comparasse aquelas coxas fornidas, espremidas dentro de um shortinho de lycra, com a camiseta e a calça fuseau (lê-se fusô) que a esposa costumava usar em casa.

Começou com um convite para um almoço e terminou num quarto de motel.
Ele estava um tanto destreinado, por isso não conseguiu executar nem a metade do que Sandrinha esperava dele, mas ela esforçou-se para dar o melhor de si, só para mostrar que era mais gostosa e gata que a mulher dele – sim, ela havia reparado na aliança na mão esquerda dele, mas isso só colocou tempero a mais na sedução. A disputa pelo fruto proibido é uma das modalidades mais acirradas em se tratando de competição entre as mulheres.

Jair, depois do “rala e rola”: -“Sou casado, mas não tenho mais nada com a minha mulher. Meu casamento está por um fio”.

Sandrinha- “Não tem problema, amor. Eu não quero compromisso mesmo. Quero só viver a vida. Sou uma mulher resolvida”.

E ficaram por duas horas conversando a respeito de si mesmos. Ele sempre se queixando das brigas com a mulher, da falta de interesse dela em querer fazer sexo três vezes ao dia, do cachorro ser o único a abanar o rabo para ele ao avistá-lo etc.

Sandrinha, penalizada com a sorte do coitadinho, fazia tudo ao contrário do que ele estava se queixando. Queria até competir com o cachorro dele, como toda boa amante.

Sentindo-se finalmente compreendido por uma mulher, Jair começou a frequentar a casa da Sandrinha nos horários em que conseguia estar disponível. Isso podia significar às 7h da manhã, às 16h da tarde (hora do cafezinho) e, eventualmente, à noite, quando ele conseguia inventar um jogo de futebol.

Sandrinha, para poder estar disponível toda a vez que seu celular tocava (e era ele), desistiu de várias coisas que fazia antes, como academia, balé, cinema com as amigas; já nem saia mais nas sextas-feiras (podia ter a sorte dele ligar) e desmarcava compromissos. Só saía se fosse para comprar lingeries provocantes, de oncinhas, de rendinhas, de seda, com penas de avestruz etc. E a geladeira estava sempre repleta das coisas que ele gostava: a cervejinha dele, a ambrosia dele, os ovinhos de codorna dele, o bacalhau.  
Nos poucos momentos que ele conseguia ficar, ou seja, até o momento em que a mulher ligava para saber onde ele se encontrava (o radar de uma esposa é incrível!), Sandrinha era amante, mulher, companheira, parceira, amiga, confidente, ninfomaníaca, santa, cozinheira, passadeira, lavadeira e....inodora! Sim, inodora, pois não podia usar perfume algum, uma vez que seu cheiro podia ficar impregnado nele e isso poderia significar um crânio quebrado.

E o tempo foi passando.

Jair: “Querida, nunca conheci uma mulher igual a você! Estou apaixonado. Qualquer dia faço uma loucura e deixo a minha mulher. Já estou quase providenciando o divórcio. Quero ficar contigo”.

Sandrinha: “Eu conheço um bom advogado. Posso te dar o telefone dele. Quando pretende deixá-la?”.

Jair: “Logo, meu amor. Agora, vamos para o quarto”.

E mais alguns meses se passaram. Jair continuava frequentando a casa da Sandrinha durante algumas horas na semana, mas sempre ficava incomunicável nos finais de semana, feriados, feriadões, datas especiais, férias etc.

Sandrinha, um tanto irritada com a procrastinação dele: “E aí, Jair? Como está o andamento do divórcio? Quando sairás de casa e ficará comigo para sempre?”.

Jair: “Logo, meu amor. Agora, vamos para o quarto”.

Mais alguns meses se passaram.

Sandrinha, de cara amarrada assim que ele entrou em seu apartamento: “Porra, cara, estou cansada de ficar à espera. Ela já sabe de nós?”.

Jair: “Calma, meu amor, ela já anda desconfiada. Logo me porá no olho da rua”.

Sandrinha: “Calma o caralho! Eu acho que você não gosta de mim, não me deseja, me acha pior que ela. Ela deve ser melhor que eu na cama, você nunca a deixará porque a ama, a AMA (aos gritos)!”.

Jair vira as costas e vai embora.

Sandrinha chora toda a noite. No dia seguinte, parece um sapo cururu de cara inchada. Sente-se péssima, a inveja e o ciúme lhe corroendo as entranhas. Imagina Jair com a mulher, fazendo amor com ela, passeando com ela e os filhos pelo shopping. E sente ódio dele, pela traição que ele está fazendo a ela.

Todavia, a saudade foi maior que o ódio. Telefona para ele e pede para conversarem. Ele aceita.

No dia do encontro, ela jura que não vai mais brigar com ele, que não vai mais pressioná-lo, que não cobrará mais um divórcio, que fará tudo o que ele quiser, mas que ele não a deixe.

Jair: “Claro, meu amor. Agora, vamos para o quarto”.

Um pouco de amor próprio grita dentro dela que o melhor seria cair fora desse relacionamento corrosivo e que a faz sofrer, mas o orgulho grita mais alto: “Não, ela não perderá para outra mulher. Fará com que ele se divorcie da rival, custe o que custar”. E se transforma numa depravada como ele jamais viu igual numa cama.

E mais um tempo passou. Jair começou a rarear as visitas, sempre justificando um compromisso aqui e ali. Ela começou a sonegar performances entre as quatro paredes. Quando ele aparecia depois de algum tempo, bancava a injuriada e dizia que estava com dor de cabeça - só por vingança.

Um dia, ele não apareceu conforme o combinado e nem justificou a ausência. Quando ele apareceu depois de passados quatro dias, ela pulou como uma jararaca na frente dele.

Sandrinha: “Por que você não apareceu? Eu sei que você tem outra. Só pode. Alguma guriazinha assanhada, uma vagabunda!” – Ela ia gritar “Quero o divórcio!” quando lembrou a tempo que não era esposa dele.

Jair, então, compreendeu. Sem dizer uma palavra, foi embora para sempre. Ele queria apenas uma amante dócil, compreensiva, paciente, tolerante e, claro, boa de cama. Não queria outra “esposa”. Se era para ter uma mulher lhe enchendo os ouvidos, então ficaria com a esposa, pois ao menos ela não ficava enchendo o saco dele e até permitia que ele saísse de vez em quando para se divertir com os amigos. O silêncio da esposa era bem melhor que os gritos da amante.

Meses depois Sandrinha o viu feliz da vida no shopping, passeando com a mulher e os filhos.

Obs.: Esta é apenas uma crônica, fruto da minha imaginação. Qualquer semelhança com os personagens será mera coincidência.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Samba em Prelúdio

Quem não se lembra dos discos de vinil e dos antigos toca-discos? A geração Y jamais deve ter visto um em ação. Lembro-me que era um terror quando um dos meus discos preferidos era arranhado. Era de chorar!

Todavia, o que era tocado naqueles equipamentos volumosos era de qualidade. Hoje em dia, é muita tecnologia para músicas medíocres, a não ser que se encontre em mp3 as músicas de outrora.

Hoje, como estou saudosista dos velhos tempos, onde tudo era de qualidade, até mesmo em se tratando de relacionamentos, postarei uma bela canção do Vinícius de Moraes, uma das minhas prediletas: Samba em Prelúdio.
 
As letras das canções daquela época não eram essa cacofonia de machucar os ouvidos que escutamos hoje. Eram poesias transformadas em músicas.
Se hoje a maioria dos autores se inspira em sexo e em mulheres que se abaixam até o chão (na boquinha da garrafa e onde mais puderem), em outros tempos eles costumavam compor quando se encontravam apaixonados.


Samba em Prelúdio – Vinícius de Moraes e Baden Powell.

Eu sem você não tenho por quê
Porque sem você não sei nem chorar
Sou chama sem luz
Jardim sem luar
Luar sem amor
Amor sem se dar

E eu sem você
Sou só desamor
Um barco sem mar
Um campo sem flor
Tristeza que vai
Tristeza que vem
Sem você, meu amor,
Eu não sou ninguém

Ah, que saudade
Que vontade de ver renascer
Nossa vida
Volta, querido
Os meus braços precisam dos teus
Teus abraços precisam dos meus
Estou tão sozinha
Tenho os olhos cansados de olhar
Para o além
Vem ver a vida
Sem você, meu amor,
Eu não sou ninguém.




domingo, 24 de julho de 2011

Amy Winehouse Perdeu para a Vida

Amy Winehouse tinha tudo para ser feliz: bonita, talentosa e bem-sucedida na carreira, mas optou por não querer viver. Todo usuário de drogas sabe que, ao escolher este caminho, dificilmente conseguirá retornar. Sabe que quando chegar ao fundo do poço não terá forças para subir à superfície. Os que conseguem, é porque a autoestima que restou serviu como uma mola propulsora para o retorno ao que eram antes da droga os consumir.

Tento entender por que algumas pessoas enveredam por tão vil caminho. Algumas culpam a família ou a falta dela; outras, os problemas, as desgraças, as tristezas, quase sempre causadas pelos outros. Buscam justificativas externas quando a resposta está em seu interior: falta de força de vontade para impedir que as tristezas sobrepujem suas melhores intenções. Sem essa força, essa energia, não conseguem perceber que há um caminho luminoso chamado superação, o qual significa, na maioria dos casos, ter de ultrapassar aquele ponto pelo qual não passa a coragem humana. Tenho a maior admiração por aquelas pessoas que conseguiram superar-se. Imagino a garra e a coragem com que se revestiram para vencer o próprio medo.

Li em algum lugar que é mais fácil a convivência com pessoas que se sentem amadas. Pessoas com elevada autoestima são pacíficas e não transformam a própria vida e nem a de ninguém num inferno. E tendo amor próprio, não desejam autodestruir-se. Pelo contrário, reconstroem-se, regeneram-se, não cedem ao infortúnio. Amy autodestruiu-se porque não tinha amor dentro de si, por isso não podia conviver consigo mesma.

Amy se detestava. Amy sentia ódio pela sua existência. Para ela, a vida era um jogo perdido, por isso não gostava de apostar nenhuma ficha. Amy achava-se um nada, indigna de ser amada. Incapaz de amar a si mesma, não conseguia amar ninguém, nem mesmo seus milhares de fãs, E não podendo retribuir todo o afeto que recebia, degradava-se cada vez mais como se dissesse: “Vejam como sou um monstro; vejam o meu poder de destruição. Eu sou uma decepção. Não me amem mais”.  

Talvez Amy tenha desejado não mais viver por notar que, em vez de ódio, seus fãs sentiam pena dela. E ela não suportou. Ser motivo de pena acaba com a vida de qualquer um.

A música “Love is a Losing Game” é a minha preferida. Nesta música, Amy lembrava-me um pouco do estilo da Etta James. E prestem atenção na tradução. Esta música bem que poderia representar a cena final de uma mulher que, apesar de saber que a vida é um jogo desde o momento que nascemos, e que precisamos ser bons jogadores para poder vencê-la, preferiu considerar-se uma aposta perdida aos 27 anos. Vence a vida quem opta por vivê-la plenamente, e Amy optou por morrer, o que significa quase a mesma coisa que perder o jogo por W. O. – o cúmulo da covardia humana.


 

sábado, 23 de julho de 2011

Nesta Fantasia

Preocupa-me o fato de vivermos numa sociedade onde a riqueza é considerada o principal veículo para uma vida feliz.  Até mesmo nossos governantes acham que a felicidade está correlacionada com crescimento econômico, ou seja, quanto mais dinheiro à disposição, maior o volume das posses, melhor qualidade de vida e, consequentemente, pessoas mais felizes. Por isso é que criou programas como “Fome Zero” e o “Bolsa-Família”.

Hoje em dia, beneficiados por uma ampliação do volume de dinheiro e créditos disponíveis, as pessoas têm adquirido mais. E quanto mais o dinheiro trocar de mãos, maior será o índice do PNB (Produto Nacional Bruto).

O “pibão”, como Dilma costuma referir-se ao PNB, foi muito bom no ano de 2010. A riqueza gerada ficou em torno de R$ 3,675 trilhões, o que fez com que o PIB (Produto Interno Bruto) per capita ficasse em R$ 19.016, graças aos “estímulos” dados pelo governo.

As pessoas são muito mais felizes agora, segundo o PT da Dilma, e o consumismo se transformou numa atividade absorvente: há mais pessoas comprando a casa própria (Minha Casa, Minha vida), geladeiras, televisores de LCD, carros, acesso à Internet com baixo custo, etc.

Estranhamente, paralelamente aos indicadores de nível de riqueza, também cresce um indicador social alarmante: a taxa de criminalidade, medida pelos roubos a residências e de automóveis, tráfico de drogas, suborno e corrupção no mundo dos negócios.

Como podem os indicadores de crescimento representar apenas o aumento das riquezas e não o declínio da felicidade e da satisfação humana?

As estatísticas do PNB avaliam o crescimento ou declínio da disponibilidade dos produtos e da quantidade de dinheiro que mudou de mãos no curso de transações de compra e venda, mas não conseguem avaliar o nível de satisfação humana, essa é a verdade.

O PNB não mede o crescimento de usuários de antidepressivos, as vítimas de trânsito e nem os problemas que a falta de água potável acarretará caso a população continue a crescer de maneira desenfreada devido aos inúmeros estímulos da natalidade - O Bolsa-Família era pago para quem tivesse até três filhos. Agora o número subiu para até cinco filhos.

Em 18 de março de 1968, o presidente dos EUA, Robert Kennedy, no auge de sua campanha presidencial, lançou um ataque mordaz à mentira em que se baseia a avaliação da felicidade com base no PNB:

Nosso PNB considera em seus cálculos a poluição do ar, a publicidade do fumo e as ambulâncias que rodam para coletar os feridos em nossas rodovias. Ele registra os custos dos sistemas de segurança que instalamos para proteger nossos lares e as prisões em que trancafiamos os que conseguem burlá-los. Ele leva em conta a destruição de nossas florestas de sequoias e sua substituição por uma urbanização descontrolada e caótica. Ele inclui a produção de napalm, armas nucleares e dos veículos armados usados pela polícia para reprimir a desordem urbana. Ele registra programas de televisão que glorificam a violência para vender brinquedos a crianças. Por outro lado, o PNB não observa a saúde de nossos filhos, a qualidade de nossa educação ou a alegria de nossos jogos. Não mede a beleza de nossa poesia e a solidez de nossos matrimônios. Não se preocupa em avaliar a qualidade de nossos debates políticos e a integridade de nossos representantes. Não considera nossa coragem, sabedoria e cultura. Nada diz sobre nossa compaixão e dedicação a nosso país. Em resumo, o PNB mede tudo, menos o que faz a vida valer a pena”.

Que além do PNB também sejam avaliados os nossos desassossegos. É o mínimo que peço para que possamos viver num  mundo mais justo, mais livre, emocionante e belo.

E porque estou repleta dessas fantasias utópicas é que posto a música Nella Fantasia.

Nesta fantasia eu vejo um mundo justo
Ali todos vivem em paz e em honestidade
Sonho que seus habitantes são sempre livres
Como as nuvens que voam
Repletas de humanidade dentro da alma...




Fonte consultada: A Arte da Vida, Zygmunt Bauman.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Arroz de China Pobre – Ou Riz à La Saucisse

Todo começou com um jantar entre amigos que acabou se transformando numa confraria de aprendizes na arte da cocção. A cada encontro, um prato preparado com esmero por algum participante. O bom é que ninguém é profissional e nem cozinha para demonstrar sua arte, mas para testar o que de melhor sabe fazer. Um show com plateia sempre é mais motivador.

E foi natural que chegasse a minha vez. Como meus amigos sabem que não sou grande coisa na cozinha, sugeriram que eu fizesse o prato mais simples da culinária gaúcha: arroz com linguiça. Quem não sabe preparar arroz com linguiça?

Pois é, nem eu sabia. Então, começou o terrorismo, desde a ameaça de pedir que a Prefeitura instalasse banheiros químicos na frente da casa até o fornecimento grátis de  Imosec após o jantar. Lembro que alguém comentou que até ambulâncias da SAMU seriam necessárias.

Isso fez com que eu me imbuísse de orgulho. Não, eu faria o melhor prato de arroz com linguiça do mundo, só por desaforo.

Não sei se foi por trauma psíquico, mas no dia em que eu pilotaria o fogão, a cozinha se encheu de “assistentes”. Um cortou a cebola; outro, o alho. Ana cortou os tomates (não queriam arroz de china pobre, mas de rica) e assim por diante. Coube a mim a tarefa de fatiar as linguiças.

Com os ingredientes já na panela, pus uma chaleira para esquentar água. Bem, o principal caberia a mim, ou seja, fazer o acabamento final, mas, quando me preparava para medir a quantidade de água quente a ser despejada na panela, fui testemunha de um ato de selvageria inumano: alguém (Eliane) resolveu aproveitar a água onde uma abóbora recém cozinhara antes de ser caramelizada e a despejou dentro da panela. Outra (Taty), seguindo o embalo da Eliane, decidiu que até a água que cozinhara a massa miojo da filha serviria. Jogou-a também dentro da panela. E antes que eu pegasse a colher de pau para misturar tudo, Rosa gritou: “Me deixa mexer!”. E lá se foi ela mexer a panela com maestria, como se fosse um caldeirão.

Depois desse ataque selvagem, foi impossível seguir a receita que eu havia preparado. Restou-me ficar de guarda, com um olhar feroz em frente à panela, para impedir que jogassem até água sanitária no meu arroz.

No final das contas, até que ficou bom e eu saí ilesa.

Eis os ingredientes para 10 pessoas:
1,5 kg de linguiça de Santo André;
02 cebolas;
04 dentes de alho;
04 tomates sem pele;
750g de arroz.

Opcionais, mas estes não constam na receita original: água do cozimento de abóbora e água do cozimento de massa miojo.

Como acompanhamento, teve arroz mexido, ovos cozidos picados, tempero verde e vários tipos de saladas verdes e de tomate. De sobremesa, torta de limão preparada pela Eliane.

O preparo foi fácil, tendo em vista a ajuda dos meus “assistentes de cozinha”. É só fatiar as linguiças, deixá-las fritar um pouco, pôr as cebolas e os alhos picados. Quando estiverem refogados, juntar os tomates sem pele e deixar as linguiças ferver no molho. Após, colocar o arroz e pôr água fervente (água, por favor, e não tudo que for líquido e estiver por perto). A medida de água é a seguinte: para cada xícara de arroz, duas de água.

Então, é só esperar o arroz estar no ponto e desligar o fogão. Deixar a panela tampada por dez minutos antes de servir. E está feito o carreto.
Ah, e não esquecer o queijo ralado e nem deixar que o arroz seque demais. Fica melhor quando bem molhadinho.
Quem quiser dar um nome mais pomposo ao prato, pode chamá-lo de “Riz à La Saucisse”; mas, para quem cultiva as tradições gaúchas, o nome é Arroz de China Pobre.








segunda-feira, 18 de julho de 2011

Costumes

Eu pensei que pudesse esquecer
Certos velhos costumes
Eu pensei que já nem lembrasse
De coisas passadas
Eu pensei que pudesse enganar
A mim mesma dizendo
Que essas coisas da vida em comum
Não ficavam marcadas

Não pensei que me fizessem falta
Umas poucas palavras
Dessas coisas simples
Que dizemos antes de dormir
De manhã um bom dia na cama
A conversa informal
O beijo depois o café
O cigarro e o jornal

Os costumes me falam de coisas
E fatos antigos
Não me esqueço das tardes alegres
Com nossos amigos
Um final de programa
Fim de madrugada
O aconchego na cama
A luz apagada
Essas coisas só mesmo com o tempo
Se pode esquecer

Então eu me vejo sozinha como estou agora
E respiro toda a liberdade
Que alguém pode ter
De repente ser livre até me assusta
Me aceitar sem você
Certas vezes me custa
Como posso esquecer dos costumes
Se nem mesmo esqueci de você


domingo, 17 de julho de 2011

Reminiscências Parte I - Um dia na sua vida

Muitos já disseram que o passado é para ser esquecido; que o presente é que importa e que é preciso viver como se não houvesse amanhã, porque pensar no futuro é irrelevante, pois este pode nem existir. Concordo apenas com as duas últimas premissas, mas discordo em relação à primeira.

Pois o que sou senão as lembranças e impressões que trago do passado? Sejam lembranças boas ou más, são elas que me fazem optar, na maturidade, por uma alternativa entre as várias que se apresentam e fazer minhas escolhas levando em conta o que de bom eu vivi. São as impressões que ficaram gravadas no meu inconsciente quando ainda era criança que me fazem reagir de maneira saudável ou não na maturidade. E maturidade é isso, é optar sempre por reagir de maneira saudável, não importa que as mesmas impressões de insegurança e de desamparo da juventude venham à tona.

O que sou senão o que gostei de comer quando criança, o que gostei de beber, de assistir, de brincar, de sonhar? O que sou senão o que me fez rir, o que me fez chorar, temer, respeitar? No meu kit identitário não consta apenas um número, uma cor, uma data, uma profissão: também consta tudo o que gostei e o que não gostei quando criança. Não há lacunas nem espaços em branco, nada que eu queira esquecer, nem mesmo as reações ruins que tive, pois é a percepção de tê-las tido que me fazem, hoje, fazer escolhas de modo a substituí-las por reações boas.

E a lembrança mais doce que tenho é a de um menino de 14 anos. Eu tinha 12 anos na época e não parecia em nada com as pré-adolescentes de agora: era magricela, usava óculos, tinha cabelos escorridos e parecia um ratinho de biblioteca de tão séria, compenetrada e avessa a demonstrações de afeto.

Ele era o garoto mais bonito da escola: loiro, olhos verdes, alto para a idade e dentes perfeitos, quando a maioria dos meninos usava aparelho dentário. Eu ficava de longe, só admirando aquela promessa de Apolo, com medo de me aproximar. A beleza daquele garoto fazia com que eu me considerasse mais ainda um ratinho. Mas as garotas mais bonitas e populares tudo faziam para chamar a atenção dele. E nem sabiam que o que as motivava era a famosa rivalidade existente entre as mulheres, não importa a idade.

E foi numa fatídica reunião dançante (reuniões dançantes eram feitas à tarde) que tivemos o primeiro contato. Lá estávamos todas, esperando para ver com quem o Apolo dançaria. Colocaram uma música na vitrola (ainda era vitrola) e Michael Jackson começou a cantar “One day in your life”, o hit do momento.  Fiquei num canto, sabendo que não teria chances. Nem queria olhar.

Então, de repente, escutei uma voz ao meu lado perguntar se eu queria dançar. Quando olhei, levei um susto: era ele! Olhei para a esquerda, para a Denise; depois, olhei para a direita, para a Andreia; olhei para as demais meninas e todas estavam olhando para mim. Então, olhei para ele interrogativamente. Ele entendeu meu olhar, disse que sim.

Até chegarmos ao meio da sala onde havia uma pista de dança improvisada, fui deixando um rastro de destruição pelo caminho. De tão estupidificada, eu não conseguia caminhar sem tropeçar ou derrubar alguma coisa.  Então dançamos, não uma, mas todas as músicas. E foi a primeira vez que eu senti perfume no sexo oposto, aquele aroma que parece se desprender da pele da pessoa que mais gostamos de tocar, de sentir, de cheirar, mesmo que não haja perfume algum. Aquele garoto tinha cheiro de campo repleto de trigo.

E meu primeiro namoro começou desse jeito. Após esse dia, ficávamos juntos no recreio e, depois das aulas, íamos para a praça sentar em algum banco para “namorar”. E jamais passamos disso. Ele era tão doce, tão gentil, tão amigo e companheiro, que foi ele quem me explicou todas as transformações que estavam ocorrendo no meu corpo. Não foi minha mãe quem me falou a respeito da menstruação: foi ele, e no dia em que notei as manchas de sangue pela primeira vez na minha roupa, à saída do colégio, e pus-me a gritar, pensando que tinha me machucado.  

Perdemo-nos pelo caminho após o término do ano letivo. A família dele mudou-se e eu fui matriculada no colégio Rosário. Para mim, havia começado uma nova fase. E foi neste momento que aprendi o que era sentir saudades.

Mas eu nunca me esqueci dele. Foi o primeiro abraço de conforto, a primeira sensação de segurança após um momento de inquietude e a primeira vez – talvez a única - que venci um batalhão de rivais sem precisar lutar, por ser apenas quem eu era, nem mais e nem menos. Volta e meia percebo-me pensando nele e revivendo aquele amor tão pueril de adolescente. Como são boas essas lembranças. Talvez elas sejam as culpadas por eu ter me tornado tão exigente e seletiva a ponto de saber separar, hoje, o joio do trigo.

E a música que dançamos naquele dia é esta, que não me canso de escutar: One day in your life. Nesta madrugada de domingo, meus pensamentos estão nele. Talvez o alcancem.


quinta-feira, 14 de julho de 2011

Uma Boa Estratégia





Durante a Idade dos Reinos Guerreiros, vivia na China um general estrategista e filósofo chamado Sun-Tzu. Ele nasceu em 544 a. C. e foi o autor da obra A Arte da Guerra, composta por 13 capítulos de estratégias militares.

Os reis daquela época disputavam a honra de conservar nas suas cortes o mestre guerreiro, para ouvir seus sábios ensinamentos de como conduzir um exército à vitória.

Certo dia, Sun-Tzu chegou à corte do Rei Wu e ali foi honrado com uma grande festa. Durante o banquete, o rei pediu ao ilustre hóspede que lhe desse um exemplo concreto de sua maravilhosa tática de guerra. E Sun-Tzu respondeu:

- “Irei explicar minha teoria de emprego dos exércitos usando simbolicamente cavalos. Tomai, ó Rei, três dos melhores cavalos da real cavalariça, enquanto eu escolherei outros três. Os vossos cavalos medirão forças com os meus cavalos, de cada vez um contra um, em três corridas sucessivas”.

Assim foi feito e o Rei, como era natural, mandou que corresse primeiro o melhor cavalo dos três que havia escolhido. Mas Sun-Tzu usou, nesta carreira, o mais fraco dos seus cavalos, perdendo, assim, intencionalmente, a primeira corrida para o Rei.

Na segunda corrida, o Rei, já tendo usado seu melhor cavalo, mandou que corresse outro, que era ligeiramente inferior ao primeiro. Desta vez, Sun-Tzu fez correr seu mais rápido corcel e ganhou facilmente a segunda carreira das três em disputa.

Chegou a vez da terceira e última corrida. O Rei, nervoso, só tinha o mais fraco de seus cavalos para a carreira, enquanto Sun-Tzu havia astuciosamente reservado o cavalo ligeiramente inferior ao seu melhor. E a terceira corrida foi ganha outra vez pelo filósofo guerreiro.

Desse modo, das três carreiras disputadas, Sun-Tzu havia ganho duas, incluindo aquela que, nas guerras, é sempre a mais importante: a última.

Sorrindo, ele concluiu para o seu real hospedeiro:

- “Ó Rei, nas três corridas que acabamos de disputar, encontrareis a estratégia do melhor emprego de vossos exércitos!”.


“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo e nem a si mesmo, perderá todas as batalhas”. (Sun-Tzu)


“A habilidade de alcançar a vitória mudando e adaptando-se de acordo com o inimigo é chamada de genialidade”. (Sun-Tzu)


“A suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”. (Sun-Tzu)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Palavras Difíceis

Tenho sempre um dicionário por perto quando estou lendo algum livro. É um prazer cada vez que encontro um adjetivo ou palavra cujo significado foge-me à memória ou é desconhecida. Caso não tenha o dicionário por perto, anoto a palavra num bloco para depois pesquisá-la na web. Infelizmente, o Google está tornando os dicionários um tanto obsoletos.

Sempre gostei de ler autores eruditos e complexos. Leitura fácil é para aquelas pessoas que se importam mais com o enredo, e este tem de ser repleto de ação ou de significados de autoajuda. Leituras fáceis também costumam ser rápidas. Quanto mais dinâmica e de fácil interpretação, melhor. No meu caso, a intenção é interpretar o autor. Mesmo que me digam o contrário, creio que todo autor coloca um pouco de sua essência na obra que escreve, mesmo que se trate de uma ficção.

Meu bloco de anotações já está velho e gasto, e duvido que sirva para a posteridade. Num mundo que está se tornando cada vez mais veloz, creio que em breve os livros de papel deixarão de existir, bem como os dicionários.

E antes que eu o aposente, vou transcrever algumas palavras “difíceis” que anotei ao longo do tempo. É claro que expressões eruditas estão em desuso, e quem as costuma usar sofre preconceito por parte dos não tão cultos. Pessoas que se expressam corretamente ou que se utilizam de expressões consideradas arcaicas, são taxadas de exibicionistas, arrogantes e, pasmem, de burras. Incrível é que para esse tipo de preconceito não existe defesa; tem-se de aguentar no osso e continuar com o prazer de aprimorar o vocabulário ou falar de maneira errada para não causar suscetibilidades alheias. Cada um que faça sua opção. Eu vou optar sempre por um português correto e rico, mesmo que não utilize palavras tão difíceis, apesar de adorá-las.

Ajoujar – unir, ligar;
Alogia – pobreza de discurso, manifesta-se por respostas breves e lacônicas;
Apodo – zombaria, mofa;
Azáfama – pressa, urgência, trabalho muito ativo;
Báratro – inferno, sorvedouro;
Barbacãs – muros muito avançados;
Deprecando – pedindo (com submissão);
Dilúculo - crepúsculo matutino, alvorada;
Dislate – asneira;
Doestos – acusações desonrosas;
Édulo – bom para comer, comestível;
Encomiástica – elogiosa;
Ensanchas – sobejos, sobras;
Estafermo – espantalho, pessoa feia e sem graça;
Estrênua – corajosa, valente, zelosa;
Exorna – enfeita, ornamenta, orla;
Fescenina – obscena, licenciosa;
Filogínico ou filógino – que ou aquele que tem inclinação para as mulheres;
Galimatias – discurso enredado e confuso;
Garridice - requinte excessivo no vestir;
Garganeiro – o que tem inveja de tudo o que se dá aos outros;
Laparoto - astucioso, boçal;
Madragoa – mulher ordinária, desalinhada, extravagante;
Patibular - figura de aspecto criminoso;
Patarateiro – pateta, tolo, parvajola;
Precito -  réprobo, condenado, maldito;
Prolegômenos – coisas que se dizem antes, preliminares;
Pulcro – gentil, belo, formoso;
Remoques – insinuações maliciosas, zombaria;
Rútila – resplandecente, muito brilhante;
Sátrapa -  déspota, tirano, dominador;
Sofomania – presunção de saber muito;
Suasório – persuasivo;
Tálamo – leito conjugal;
Tugúrio – cabana, refúgio, abrigo;
Valetudinário – sujeito de compleição fraca, doentia,
Xisgraviz – intruso, inoportuno.

Obs.: Quem gostava de brigar com seus desafetos usando palavras difíceis e português arcaico era Rui Barbosa. Quando o oponente não estava à sua altura, na maioria das vezes pensava tratar-se de elogios. E Rui Barbosa vencia a discussão sem precisar ter razão.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

É Preciso Seguir o Exemplo dos Jovens

Ele é pouco mais que um menino, mas já demonstra que será um grande homem; isto é, caso a maturidade não o estrague e não o faça perder muitas coisas importantes pelo caminho. Torço para que ele seja diferente da maioria madura que tenho visto por aí.

Há uma ideia errônea que a maturidade nos faz mais sábios. Não sei de onde tiraram que ser mais cauteloso e racional é sinal de sabedoria. Talvez até seja, uma vez que, maduros, já não queremos mais cometer os mesmos erros de antigamente e já deixamos o histerismo que muitas vezes permeia a juventude para trás. Mas por que a maturidade nos faz querer ter de volta o mesmo encantamento que tínhamos quando jovens?

Meu estagiário é pouco mais que um menino, mas foi capaz de ficar dois meses pensando no presente que daria para a namorada no dia dos namorados. Ajudei-o, mostrando-lhe encartes de jornal ou dando sugestões. Deixei-me levar por algo que não estou mais acostumada a ver. A maioria dos homens maduros não liga mais para datas especiais. No máximo, dá dinheiro para a namorada e diz: “procura algo que queira”. Não tem mais tempo para perder com futilidades.

Lembro-me do dia em que ele foi buscá-la no aeroporto. Pediu para sair mais cedo “porque tinha de buscar o seu amor”. No alto da minha maturidade, há anos que não vejo nenhum maduro dizer isso para sua esposa ou namorada. No máximo, são resmungos por ela precisar dele.

E no aniversário da menina, então? Com seu pequeno salário de estagiário fez o sacrifício de comprar um lindo casaco para ela. Mostrou-me tão feliz o presente que daria a ela, que pensei: “Deus permita à menina valorizar todo o tempo que seu namorado perdeu para encontrar algo que talvez a agradasse, e não agradando, que ela valorize o sacrifício que ele fez”.

´”Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que fez a rosa tornar-se tão importante” – disse a raposa para o pequeno príncipe na fábula de Saint Exupéry. E também que: “Tu te tornas responsável por tudo o que cativas”.

E a raposa diz mais:

-“A gente só conhece bem o que cativou. Os homens não têm mais tempo para conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se queres um amigo, cativa-me!”.
Quando jovens, pensamos ter todo o tempo do mundo, e parece que o tempo não passa nunca. Perdemos tempo escrevendo poemas para ofertar à pessoa amada, pequenas surpresas para agradá-la, e nem nos preocupamos com custo-benefício. Se um bichinho de pelúcia é tudo o que podemos dar, certamente que o nosso coração irá com ele.

Hoje em dia, dói-me saber que muitas garotas procuram homens bem mais velhos para poderem usufruir de presentes caros. Por que pular etapas e já querer ir direto ao desencantamento da maturidade? Por que um coração é menos importante que o desapontamento? Mal sabem elas que muitos homens maduros procuram nelas o que já não possuem em si mesmos.

Todos os dias ouço pessoas maduras como eu, casadas ou não, reclamarem que precisam de encantamento em suas vidas. Para muitas, encantamento significa sentir paixão por alguém. Creio que são justamente as pessoas que não têm mais tempo para cuidar das suas “rosas” que se queixam disso, que não querem mais fazer qualquer tipo de sacrifício, por mínimo que seja, para cativar o que buscam com tanto afã.  

E ser maduro é isso? É esquecer que cativar significa transformar a vida de alguém em raios de sol num dia de domingo?

Se tu me cativas, minha vida será cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus passos me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo é dourado, fará com que me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...” – disse a raposa ao pequeno príncipe.

Desculpem-me, mas nem todas as pessoas sabem amadurecer. É preciso seguir o exemplo dos jovens e não o contrário.  Sábio é aquele que aprendeu mais com os acertos da juventude e não somente com os erros. Não é com os erros que se aprende, aprendi com o meu jovem estagiário, mas com o que fizemos de bom e não esperando nada em troca.

Que observemos mais o comportamento desta nova geração. Que voltemos à leitura do “Pequeno Príncipe”, se for preciso. Não é preciso buscar em novos relacionamentos o encantamento que não encontramos mais. Basta que resgatemos o (a) jovem que fomos um dia e entendermos que:

Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim, e não encontram o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam pode ser achado numa rosa só”.
 Mas isso só acontece com quem tem tempo e paciência para cuidar de única rosa como se fosse a mais importante de todas.

Voltando à história do pequeno príncipe e da raposa, eis como termina:
Tendo cativado a raposa, chegou a hora da partida:

- “Ah, eu vou chorar” – disse a raposa.
- “A culpa é tua” – disse o principezinho – “Eu não te queria fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse”.
- “Quis” – disse a raposa.
- “Mas tu vais chorar” – disse ele.
- “Vou” – disse a raposa.
- “Então, não terás ganho nada!”
- “Terei, sim” – disse a raposa – “por causa do trigo”. E, acrescentando:
- “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz”.

Encantamento também é isso: saber que aquela pessoa que nos cativou, mesmo tendo de ir embora, sempre retornará para o nosso lado, desde que também a tenhamos cativado.

Obs.: Foi observando o quanto meu jovem estagiário cuida da sua rosa que aprendi que nós, maduros, não podemos servir de exemplo aos mais jovens. Quando chegamos numa certa idade, tudo o que queremos é ser iguaizinhos ao que fomos outrora. E a maioria de nós não consegue.
O que hoje eles sabem, a maioria dos “maduros” não pode mais fazer – parafraseando um velho ditado, mas somente aqueles que ainda acham que encantamento tem de vir de fora para dentro e não o contrário.