sábado, 31 de março de 2012

Era Criança nos Tempos da Ditadura, Mas Era Feliz

Leio muitas postagens de revolta contra a Revolução de 1964. Há um amargor em relação aos militares e revolta pelos perseguidos durante a Ditadura. Eu nasci em 1964 e passei parte da minha infância sob este regime, mas tudo o que sei é o que me foi passado pelos professores e pelos livros de história que li. O Golpe Militar se iniciou em 31 de março de 1964 no Brasil e culminou num golpe de estado no dia 1 de abril de 1964, o qual encerrou o governo do presidente João Goulart, também conhecido como Jango.
"(...) Nos anos que se seguiram houve uma significativa recuperação da economia e taxas de crescimento que chegam a 10% ao ano, constituindo o que se chamou milagre econômico brasileiro, com entrada significativa de capitais externos, atraídos também pela estabilidade política. Porém, tal desenvolvimento econômico foi acompanhado de censura aos meios de comunicação e de violenta repressão política, no sentido de evitar a influência de ideologias de esquerda, em um mundo dividido pela Guerra Fria.
Além da limitação da liberdade de opinião e expressão, de imprensa e organização, naquela época tornaram-se comuns as prisões, os interrogatórios e a tortura daqueles considerados suspeitos de oposição ao regime, comunistas ou simpatizantes, sobretudo estudantes, jornalistas e professores. Para além das prisões, estima-se que cerca de 300 dissidentes perderam a vida. Segundo a versão defendida pelos militares, a maioria dessas mortes teria ocorrido em combate com as Forças Armadas. Entretanto, os grupos de defesa dos direitos humanos e organizações de sobreviventes da ditadura militar, estimam que este número seja muito maior (...)".
Não importa o desastre havido durante este tempo. Eu o vivi sob outra ótica: a ótica de uma criança. Por isso, peço que respeitem o meu comentário a seguir, pois não tenho motivos para alimentar nenhuma revolta, apesar de compreender a dor de quem apanhou da polícia ou dos familiares que perderam entes queridos.
Fui criança nos tempos da Ditadura, mas tive uma infância feliz. Não compreendia o que era corrupção, guerras, lutas pelo poder, mas podia andar livremente nas ruas, minha casa não tinha grades, aprendia sobre Organização Social e Política do Brasil e aprendia sobre como ser cidadã de bem quando estudava Moral e Cívica. Na televisão passava somente programas educativos, como o Vila Sésamo, e não assistia a cenas de sexo ou de violência na TV. Para mim, foram tempos bons.
Ressalto que tudo o que aprendi sobre a parte ruim desse tempo, tenho visto acontecer agora, e não vejo muita diferença. Naquela época, a revolução que culminou num golpe de estado foi porque se desencadeou uma crise no país, devido à uma economia desordenada e panorama político confuso. Como o povo nada fez para mudar este quadro, a oposição militar veio à tona, impondo o que considerava manutenção da legalidade e da restauração da ordem. Excetuando que não há oposição militar atualmente, não estamos passando pelos mesmos problemas, sendo que o povo também nada faz? Não estamos entregues à própria sorte, vendo nosso país se desintegrar? Não há motivos, hoje, para uma revolução que faça o Brasil tornar-se digno e um bom lugar para se viver? Certamente que sim, e se houvesse, eu seria uma revolucionária, pronta para ajudar a destituir um governo que não cuida bem do seu povo.
Portanto, eu creio que os militares, naquela época, fizeram o que era certo, mas da maneira errada. Aliás, errado foi o povo, que tinha o verdadeiro poder e nada fez, deixou que outros fizessem. E espero que, se houver outra revolução contra um governo indigno, que seja o povo a se revoltar e não os militares. Esta é maneira certa de se fazer uma revolução. Perdoem-me os amigos revoltosos contra as consequências da Ditadura, mas ainda não sublimei minha ótica de criança.

segunda-feira, 26 de março de 2012

O que acontece no meio - Martha Medeiros - dez/2011

Vida é o que existe entre o nascimento e a morte. O que acontece no meio é o que importa. No meio, a gente descobre que sexo sem amor também vale a pena, mas é ginástica, não tem transcendência nenhuma. Que tudo o que faz você voltar pra casa de mãos abanando (sem uma emoção, um conhecimento, uma surpresa, uma paz, uma ideia) foi perda de tempo. Que a primeira metade da vida é muito boa, mas da metade para fim pode ser ainda melhor (se aprendemos alguma coisa com os tropeços lá do início). Que o pensamento é uma aventura sem igual. Que é preciso abrir a nossa caixa preta de vez em quando, apesar do medo do que vamos encontrar lá dentro. Que maduro é aquele que mata no peito as vertigens e os espantos. 
No meio, a gente descobre que sofre mais com as coisas que imagina que estejam acontecendo do que com as que acontecem de fato. Que amar é lapidação e não destruição. Que certos riscos compensam. O difícil é saber previamente quais. Que subir na vida é algo para se fazer sem pressa. Que é preciso dar uma colher de chá para o acaso. Que tudo que é muito rápido pode ser bem frustrante. Que Veneza, Mykonos, Bali e Patagônia são lugares excitantes, mas que incrível mesmo é se sentir feliz dentro da própria casa. Que a vontade é quase sempre mais forte que a razão. Quase? Ora, é sempre mais forte. 
No meio, a gente descobre que reconhecer um problema é o primeiro passo para resolvê-lo. Que é muito narcisista ficar se consumindo consigo próprio. Que todas as escolhas geram dúvida, todas. Que depois de lutar pelo direito de ser diferente, chega a bendita hora de se permitir a indiferença. Que adultos se divertem muito mais do que os adolescentes. Que uma perda, qualquer perda, é um aperitivo da morte, mas não é a morte, que essa só acontece no fim, e ainda estamos falando do meio. 
No meio, a gente descobre que precisa guardar a senha não apenas do banco e da caixa postal, mas a senha que nos revela a nós mesmos. Que passar pela vida à toa é um desperdício imperdoável. Que as mesmas coisas que nos exibem também nos escondem (escrever, por exemplo). Que tocar na dor do outro exige delicadeza. Que ser feliz pode ser uma decisão, não apenas uma contingência. Que não é preciso se estressar tanto em busca do orgasmo, há outras coisas que também levam ao clímax: um poema, um show, um gol, um beijo. 
No meio, a gente descobre que fazer a coisa certa é sempre um ato revolucionário. Que é mais produtivo agir do que reagir. Que a vida não oferece opção: ou você segue, ou você segue. Que a pior maneira de avaliar a si mesmo é se comparando com os demais. Que a verdadeira paz é aquela que nasce da verdade. E que harmonizar o que pensamos, sentimos e fazemos é um desafio que leva uma vida toda, esse meio todo.

domingo, 18 de março de 2012

O Convite - Oriah Mountain Dreamer

Não me interessa o que você faz pra viver. Quero saber o que você deseja ardentemente, e se você se atreve a sonhar em encontrar os desejos do seu coração.
Não me interessa quantos anos você tem. Quero saber se você se arriscaria parecer que é um tolo por amor, por seus sonhos, pela aventura de estar vivo. Não me interessa que planetas estão em quadratura com a sua lua. Quero saber se você tocou o centro de sua própria tristeza, se você se tornou mais aberto por causa das traições da vida, ou tornou-se murcho e fechado por medo das futuras mágoas.
Quero saber se você pode sentar-se com a dor, minha ou sua, sem se mexer para escondê-la, tentar diminuí-la ou tratá-la. Quero saber se você pode conviver com a alegria, minha ou sua, se você pode dançar loucamente e deixar que o êxtase tome conta de você dos pés à cabeça, sem a cautela de ser cuidadoso, de ser realista ou de lembrar-se das limitações de ser humano.
Não me interessa se a história que você está contando é verdadeira. Quero saber se você pode desapontar alguém para ser verdadeiro consigo mesmo; se você pode suportar acusações de traição e não trair sua própria alma. Quero saber se você pode ser leal e, portanto, confiável.
Quero saber se você pode ver a beleza mesmo quando o que vê não é bonito, todos os dias, e se você pode buscar a fonte de sua vida em sua presença. Quero saber se você pode conviver com o fracasso, seu e meu, e ainda postar-se à beira de um lago e gritar à lua cheia prateada: “Sim!”.
Não me interessa saber onde mora e quanto dinheiro você tem. Quero saber se você pode levantar depois de uma noite de tristeza e desespero, cansado e machucado até os ossos e fazer o que tem que ser feito para as crianças.
Não me interessa quem você é, como chegou até aqui. Quero saber se você vai se postar no meio do fogo comigo e não vai se encolher.
Não me interessa onde ou o que ou com quem você estudou. Quero saber o que o segura por dentro quando tudo o mais fracassa. Quero saber se você pode ficar só consigo mesmo e se você verdadeiramente gosta da companhia que tem nos momentos vazios.

quinta-feira, 15 de março de 2012

O Artista

Assisti, ontem, ao filme "O Artista". Emocionante, eu diria, e fez jus ao Oscar de melhor filme, mesmo sendo mudo e sem aquelas tecnologias inacreditáveis que costumamos ver nos filmes de ficção. E há uma história, um enredo que prende justamente pela singeleza, pela simplicidade. Está mais que comprovado que coisas boas, que realmente valem a pena, expressam muito mais que palavras. E há um ensinamento no filme também: que às vezes é preciso esquecer o orgulho e deixar-se ajudar, pois essa é a única maneira para um ser humano evoluir e buscar alternativas para reconstruir-se.


Aliás,  o cachorro Uggie, que conquistou a fama após atuar no filme, participa do jantar organizado anualmente pela Associação de Correspondentes da Casa Branca em Washington. Na ocasião, o cão-celebridade irá se encontrar com o presidente dos Estados Unidos Barack Obama.
O convite foi feito pelo jornal The Washington Times. "É um orgulho para o jornal anunciar que Uggie, a estrela canina do filme ganhador do Oscar de melhor filme, participará de nosso evento em 28 de abril", informou nota publicada nesta quinta-feira no jornal.
Gente, esse cachorrinho aí roubou as cenas do filme "O Artista". Atuou melhor que muito galã de filmes e novelas. Merece mesmo ser recebido na Casa Branca. Aliás, antes o Tarso Genro tivesse recebido o Uggie no Palácio Piratini em vez do terrorista Cesare Battisti.



domingo, 4 de março de 2012

Carta para Ti – III, de Fernanda Guimarães

Talvez devesse ter silenciado. No entanto, provoca-me desconforto qualquer tipo de complacência, quando o coração deliberadamente arca com o ônus da dor. Pouco entendo de contenções ou moderações, quando sinto o pulsar dos teus olhares a percorrer o corredor das lembranças. O ímpeto é sempre de desatar as amarras que te fazem sangrar. Aprendi que crescemos quando somos capazes de modificar nossas respostas diante da vida.
Talvez devesse ter silenciado. No entanto, incomoda-me perceber que abarrotas as tuas prateleiras emocionais de resistências, vestindo armaduras que te tiram o prazer de sentir a brisa, a ardência do sonho e os gestos que te instigam novos olhares. Teimo ainda em ter as mãos de Monet estendidas sob o gris das tuas aquarelas. Há que se ter o encantamento para tocar e descobrir cores que não experimentamos. Há de se buscar fusões que nos devolvam a satisfação de apenas sentir.
Talvez devesse ter silenciado. E como poderia reter o fluxo da palavra? Ela, que me propõe a liberdade, vezes secreta de dizer-me em metáforas, em signos somente decifráveis à tua percepção. Ela, que me instiga a explicitude, quando preciso da limpidez e da transparência para despir letras. Poderia desconsiderar o bater de asas do pensar que desconhece as grades do adiamento? Foi exatamente através das nossas diferenças que nos fizemos tão próximos. E essa sensação de complementaridade foi sempre celebrada em momentos recheados de cumplicidade. Prefiro continuar te dizendo das imagens que nascem nas alvoradas, da possibilidade de redesenhar traços e da sensação de ter o cabelo desalinhado pelo vento.
Talvez devesse ter silenciado. Mas sei-me apenas, quando sou presença, ainda que convocada em tua saudade. Poderia apenas embalar tuas e minhas tristezas, mas prefiro a vertigem da superação à aparente plenitude do conformismo. Diz-me de pontes e de castelos. Quintana em sua sabedoria já dizia que “O que mata um jardim, não são os muros, mas a indiferença de quem por eles passa”. Ouso complementar o Quintana, dizendo-te que, para morrermos, apenas precisamos da indiferença dos nossos próprios olhares. 
Entedia-me o ranço do “não sei”, “do não consigo” que nos vamos dando para justificar a morbidez com que nos expomos ao mundo. Por isso é que te instigo a abandonares as pausas, os hiatos e a te mirares sem restrições e exclusões. Um dia lembrei-te que ainda existem estrelas por contar, recorda-te? Elas continuam a te esperar, iluminando as noites, em que te alforrias da vida, protegido em tuas fortalezas. Em tuas inacessibilidades, minha ternura far-se-á sempre posseira, ecoando pelos corredores dos teus silêncios. Assim decidi...
Perdoa-me pela inabilidade, quando te afaguei os ombros, ainda que soubesse da intensidade de tuas feridas. Perdoa-me por minhas digitais tocarem-te com uma luminosidade que te provoca prevenções. É que nada entendo de saídas honrosas, quando emoções desconhecidas me atravessam, nem de deixar-me sobreposta ao medo...prefiro minhas dúvidas borradas com as tintas do vivenciar.
Perdoa-me pela simplicidade, por não ter trazido disfarces, por não precisar de máscaras para te olhar. Perdoa-me pela ausência de segredos, pela estrada sem atalhos que te ofereço e por insistir em valorizar os percursos, mesmo quando as vitórias não beijam meus pés. Prefiro as marcas, a ter um terreno sem pegadas...
Perdoa-me pela minha mão que não tem hora para oferecer-se a ti, mesmo quando te deixas adormecer em tuas tormentas, entregue à lágrima que pensas ser teu destino.
Apenas sei que na tua história terás que escrever também o meu nome...


A importância dos sentimentos negativos

É normal depois de uma tragédia ou de uma doença grave uma pessoa voltar-se a Deus e a atos de solidariedade. Quem era egoísta ou arrogante, por exemplo, passa a enxergar a vida e as pessoas com outros olhos, tornando-se mais paciente e tolerante para com as fraquezas humanas. Também se torna mais emotivo, mais flexível, mais generoso; enfim, torna-se bom, uma pessoa melhor. 
Muitas ONGs surgiram após pessoas terem sofrido graves perdas; muitos se tornaram voluntários de entidades assistenciais após terem passado por algum tipo de sofrimento. Tudo aquilo de que não tomavam conhecimento, passa a ser claro, consciente, emerge como se fosse um a luz divina alertando: "Que isso te sirva de aprendizado".
Estava certo Martin Heidegger quando escreveu que as coisas só se revelam à consciência por meio das frustrações que provocam. Eis a importância que os sentimentos negativos têm sobre as nossas vidas. São esses sentimentos que agem como uma força motriz para nos tirar da inércia e da comodidade, fazendo com que possamos transformar a dor em luta, o sangue em suor.
É por isso que costumo confiar em pessoas que conseguiram encontrar a famosa luz no final do túnel ou a mola propulsora nas profundezas do poço em que afundaram. São pessoas que encontraram motivos para seguir vivendo e que tem muito a ensinar aos que se quebram com facilidade e por qualquer coisinha.