segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Eu não sou assim – Texto de Martha Medeiros

Quando você estiver discutindo com o amor da sua vida, adotando um tom alto demais porque precisa que ele entenda o tamanho do desespero que está sentindo, quando você, aos gritos, começar a trazer à tona coisas que ele fez muito tempo atrás a fim de incluí-las na sua argumentação, quando só lhe restarem palavrões na boca, quando você sentir que está perdendo a razão e também a compostura, acalme-se e diga para si mesmo: “Eu não sou assim”.

Se você não é barraqueira e nunca foi deselegante, contenha-se. É triste ter que se afastar tanto de si mesmo a fim de manter alguém próximo. Deixe-o ir, então. Ele partirá de qualquer jeito. Fique em você mesma.

Quando você estiver dizendo coisas que não tem vontade de dizer, quando sentir que está assumindo um personagem apenas porque é isso que a sua plateia está exigindo, quando você não reconhecer a autenticidade da própria voz, cale-se e pense: “Eu não sou assim”. Certamente a pessoa que está com você não deseja você, apenas alguém que você é capaz de interpretar. Deixe-a partir, se ela não se satisfaz com sua naturalidade, e simplesmente mantenha-se em si.

Quando você for impelida a trair porque não está mais vivendo a vida que sonhou, quando for induzida a mentir para que a casa não caia, quando sentir-se obrigada a arranjar desculpas para disfarçar o próprio desejo, pergunte-se: sou assim? Ardilosa, falsa, camuflada? Se você não é assim, se nunca foi assim, melhor enfrentar a verdade, como fazem os corajosos.

Quando você estiver num local que não lhe agrada, conversando com pessoas que não admira, rindo forçadamente de piadas que lhe soam grosseiras, quando estiver prometendo visitas que sabe que não fará, submetendo-se a situações bizarras ou vexatórias, escute o que seu desconforto está alertando: “Eu não sou assim”. Muitas vezes, especialmente no início da idade adulta, temos que nos adequar a certas contingências sociais se delas depende nossa sobrevivência, mas se você já percorreu um bom caminho, construiu uma vida digna e conhece a si mesma melhor do que ninguém, não precisa se moldar a mais nada, conquistou o direito de ser integralmente quem é.

Quando você estiver sendo condescendente sem receber em troca o carinho que merece, quando você perceber-se desacomodada no que deveria ser aconchegante, quando sentir que está se adaptando com dificuldade ao que não lhe convém, tente perceber se está sendo educada ou se está sendo submissa – não são sinônimos. Educação é básico, mas não exige docilidade fingida nem servilismo humilhante. Pegue sua bolsa e tome o rumo de casa sempre que estiver escutando de si mesma: “Eu não sou assim”.

A não ser que você seja.







quarta-feira, 18 de março de 2015

O Raciocínio Petista – Por : David Coimbra


O raciocínio dos defensores do governo é o seguinte:

Quem é a favor da ditadura é contra o governo.
Logo, quem é contra o governo é a favor da ditadura.

Ou:

Quem gosta do Bolsonaro é contra o governo.
Logo, quem é contra o governo gosta do Bolsonaro.

Ou:

Quem quer o golpe militar é contra o governo.
Logo, quem é contra o governo quer o golpe militar.

Ou:

Os tucanos são contra o governo.
Logo, quem é contra o governo é tucano.

Ou, o mais dissimulado de todos:

A maioria dos ricos e brancos é contra o governo.
Logo, todos os pobres e negros são a favor do governo, porque o governo é bom para pobres e negros, e mau para brancos e ricos.

E um último, embora vago, quase impalpável:

Este governo, supostamente, é de esquerda.
Logo, quem é contra este governo é certamente de direita.

Há muitas pessoas reproduzindo esse tipo de raciocínio sofístico e vagabundo. Essas pessoas, quase todas, são dadas a sofismas, sim. Mas não são vagabundas. Ao contrário: vejo gente que estuda, que trabalha, que se esforça e que quer o bem do Brasil tecendo esse gênero baixo de argumentação. Entre essas pessoas, inúmeros jornalistas. Alguns jovens, outros já na veterania, muitos bons profissionais, outros nem tanto, 90% deles decentes.

Vejo políticos dignos apelando para essa tergiversação, vejo homens e mulheres de boa índole, suaves no trato pessoal, alguns até inteligentes e razoavelmente informados.

Em parte, compreendo que se comportem assim. Porque não querem sentir-se ao lado de quem gosta do Bolsonaro, é de direita, a favor de golpes militares e contra negros e pobres, mas também porque estão no fervor da discussão, estão em busca de argumentos para não ceder a quem os ofende e os chama de petralhas ou o que quer que seja.

Mas a verdade já comprovada é que houve roubo neste governo, e o fato de ter havido em outros, tempos atrás, não consola nem atenua. Quando o governo atual é criticado, o é por uma razão simples: porque é o atual governo.

E o roubo não foi casual. Foi roubo sistemático, encaixado nas engrenagens da administração, sedimentado na base dos partidos governistas, disseminado por todos os setores que aceitassem fazer composição. Isso está demonstrado pelas investigações. Está plasmado. Vergonhosamente plasmado.

Duvido que Dilma tenha participado dessa roubalheira. Mas duvido que não soubesse dela. É impossível que uma mulher experiente na administração pública, tendo sido presidente do Conselho de Administração da Petrobras, ministra das Minas e Energia e da Casa Civil, sendo "mãe do PAC" no governo Lula e duas vezes presidente da República, é impossível que ela não soubesse do que ocorria. Da mesma forma, é impensável crer que Lula, o principal líder do PT, não soubesse de nada.

Ainda não é possível provar que eles sabiam, mas centenas de milhões de dólaressujos estão aparecendo por toda parte, as investigações estão se agudizando e o cerco vem se fechando a cada dia. Em pouco tempo, talvez não haja mais sofisma que sustente a defesa deste governo.

Sim, é verdade: alguns querem que o governo caia porque são canalhas. Mas também é verdade que muitos que não são canalhas se comportam como se fossem, para manter o governo de pé.