Autor: Ivan Martins
Muita gente gosta de
afirmar, em voz alta, que faria “qualquer coisa” por amor. Vocês já devem ter
ouvido isso. Talvez até tenham dito a frase novelesca. Faz parte da nossa
cultura. Outro dia, vi um rapaz dizer em rede nacional de televisão, com a
maior naturalidade, que “mataria e morreria” por amor. O autor do exagero devia
ter uns 18 anos, talvez menos. Deu vontade de rir, de tanto drama. O jovem
Romeu da Tijuca ainda não descobriu que a melhor forma de amor se pratica entre
vivos – preferencialmente em liberdade, que não estão na cadeia, presos por
assassinato.
Isso não quer dizer
que o amor não faça exigências terríveis. Eu mesmo já fiz cafunés de madrugada,
cocei costas e apliquei massagens nos pés até ficar com as mãos exaustas. Por
amor. Já lavei pias repletas de louça, fiz comidas sofríveis, fui ao mercado no
domingo, tirei dinheiro do banco às sete da manhã e levei o lixo para fora
vezes sem conta. Por amor. Já viajei ao exterior, dirigi até a praia, dancei
até de madrugada e cantei até ficar rouco. Por amor. Alguns dirão que me faço
de vítima. A verdade é que, por amor, já tomei vinhos excelentes, já comi em
restaurantes caros, já assisti a espetáculos inesquecíveis e já comprei
presentes que, só de lembrar, me enchem de alegria – e de uma vaga melancolia
financeira.
Se alguém disser que
isso tudo é pouco, talvez tenha a cabeça tomada por grandezas. Ou ache, como o
Romeu da Tijuca, que amar é coisa de matar ou morrer, verdadeira luta com
facas. O grande amor, ao contrário, é feito de miudezas. São gestos cotidianos,
olhares cúmplices, uma mão que passa pela nuca e toca os cabelos enquanto a
mulher que você ama conversa com outra pessoa. Amor também é feito de desejo, e
a cada tanto exige a reafirmação de uma suave encostada - na pia, enquanto ela
coa o café – e da barriga que toca o calor da outra barriga.
Esses sinais mostram
amor como a temperatura denuncia a febre. Mas não são tudo.
Há também a conversa
que atravessa os dias e dá sentido aos fatos da existência. E a lealdade, que
permite contar com o outro nas horas sombrias. Ela impede que a gente se sinta
sozinho num mundo de multidões solitárias. Não se pode esquecer a sacanagem,
claro, sem a qual o amor morre de tédio. E o riso, em cuja ausência a morte se
aproxima. No amor, se dizem as palavras mais doces, se dão os abraços mais
ternos, se enxugam as lágrimas mais tristes, se grita, se geme. Nele, a gente
se comove como o diabo. Em nada disso há heroísmo. Apenas a vida, em seus
milagres comuns.
A única real grandeza
do amor está em sua imensa vocação de fazer o outro feliz. Um dia depois do
outro. Isso exige atenção, desvelo mesmo, e coisas como imaginação, tirocínio,
esforço. Às vezes até sacrifício. O outro é tão complexo – tão desgraçadamente
parecido conosco – que, às vezes, não sabe o que deseja e o que precisa. Conta
conosco para iluminá-lo. Há que estar lá, portanto. Há que tentar entender com
o coração e com as mãos, que apertam, seguram, amparam e acariciam.
Se me perguntam o que
eu faria por amor – já me perguntaram, de outras formas –, eu responderia, como
os portugueses, imenso. Cada vez mais, na verdade. Com calma e determinação,
juntos, sem grandiloquência. Assim se lida com as coisas essenciais da vida. O
amor, entre todas elas.
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