Até que ponto é possível amar sem ser amado?
Quando amamos
platonicamente, o amor pode durar muito tempo. Pois não tem ninguém para
estragar nossa idealização. Não há convivência para nos desafiar. É uma paixão
estanque, feita de sonho e névoa. É uma vontade desligada da realidade. Temos a
expectativa intacta, longe de contratempos. Acordamos e dormimos com o mesmo
sentimento, longe de interrupção em nossa fantasia.
Mas quando amamos
dentro de um casamento e quem nos acompanha não retribui o amor? Quanto tempo
dura? Quanto tempo você suporta a secura, o desaforo, a grosseria? Quantos
meses, se cada dia é um ano?
Nem estou falando de
falta de sexo, mas a falta de beijo, de abraço, da telepatia rumorosa, do colo,
de perceber seus cabelos sendo penteados pelas mãos, de ver seu rosto encarado
de forma única e brilhante. Nem estou falando da falta de aventura, mas do
conforto protetor, da cumplicidade, do afago que é viver com a certeza de que é
admirado. Nem estou falando da falta de viagens, mas do mínimo da rotina
apaixonada, ser cuidado mesmo quando está distraído. Não estou falando de
arroubos e arrebatamentos, mas da vontade boa de morder seus lábios levemente
quando suspira e de esperar o final de semana como um feriado.
Quanto tempo dura o
amor sem retorno, sem reconhecimento?
Talvez pouco, quase
nada. Quem não se sente amado não é capaz de amar. Não é problema de carência,
é questão de tortura.
Extravia-se a
cintilação dos olhos. Ocorre um bloqueio, uma desesperança, uma resignação
violenta. É como dançar valsa sozinho, é como dançar tango sozinho. É abraçar
pateticamente o invisível e não ter o outro corpo para garantir seu equilíbrio.
Você se verá um
mendigo em sua própria casa, diminuído, triste, desvalorizado, esmolando
ternura e atenção. Aquilo que antes parecia natural – a doação, a entrega, a
alegria de falar e de se descobrir – será raro e inacessível. Todo o corredor
torna-se pedágio da hostilidade. Passará a evitar os cômodos para não brigar,
passará a evitar certos horários para se encontrar com sua esposa ou marido,
passará a prolongar os períodos na rua, passará apenas a passar. Combaterá as
discussões e gritarias anulando sua personalidade. Despovoará a sua herança,
assumirá o condomínio do deslugar. Comerá de pé para evitar o silêncio
insuportável entre os dois.
Quer um maior mendigo
do que aquele que dorme no sofá em sua residência? Com um cobertorzinho
emprestado e com a claridade das janelas violentando os segredos?
Por ausência de
gentileza, perdemos romances. O que todos desejam é alguém que diga: não vou
desperdiçar a chance de lhe amar. Alguém que não canse das promessas, que não
sucumba ao egoísmo do pensamento, que tenha mais necessidade do que razão.
A gentileza é tão
fácil. É fazer uma comida de surpresa, é convidar a um cinema de imprevisto, é
pedir uma conversa séria para apenas se declarar, é comprar uma lembrancinha, é
chamar para um banho junto, é oferecer massagem nos pés, é perguntar se está
bem e se precisa de alguma coisa, é tentar diminuir a preocupação do outro com
frases de incentivo.
Quando o amor para de
um dos lados, o relógio intelectual morre. Não se vive desprovido de gentileza.
A gentileza é o amor em movimento.
Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.6
Porto Alegre (RS), 26/01/2014 Edição N° 17685
Nenhum comentário:
Postar um comentário