terça-feira, 15 de julho de 2014

Seria cômico, se não fosse trágico – Autor: Carlos Bayma

Tudo começou com uma pequena tristeza, tratada eficientemente com o “antidepressivo” mais moderno do mercado.
Você está com 30 anos, tem uma depressãozinha, uma tristeza persistente. O seu médico diz que passa logo: prescreve Fluoxetina.
Mas a Fluoxetina dificulta seu sono. Ele então indica Clonazepam, o Rivotril da vida. O Clonazepam deixa meio bobo ao acordar e reduz sua memória. Assim, você volta ao doutor. Ele te olha e nota que você aumentou de peso. Preescreve Sibutramina, que faz você  perder uns quilinhos, mas lhe dá uma taquicardia incômoda. Novo retorno ao doutor. Além da taquicardia, a “batedeira” no coração, ele nota que você também está com pressão alta. Então, te dá uma receita  de Losartana e Atenolol, este último para reduzir a sua taquicardia.
O tempo passa, você já está com 35 anos e toma Fluoxetina, Clonazepam, Sibutramina, Losartana e Atenolol. Mas, como a idade chega, é adequado um “polivitamínico”. O doutor manda que você compre  um ‘polivitamínico de A a Z”, que pra muito pouca coisa serve. Mas, como o Luciano Huck disse na TV que esse é ótimo e você acreditou, comprou.
Já são R$ 350,00 por mês, começa a pesar no orçamento. O dinheiro a ser gasto em investimentos e lazer escorrer para o ralo da indústria farmacêutica.
Você começa a  ficar nervoso, preocupado e ansioso (apesar da Fluoxetina e do Clonazepam), pois as contas não batem no fim do mês. Começa a sentir dor no estômago e azia e seu intestino fica “preso”. Vai a outro doutor. Prescrição: “omeprazol + domperidona +  laxante ‘natural’, e você vai ficar ótimo!”.
Os sintomas realmente somem, mas só os sintomas, apesar da “escangalhação” que virou sua flora intestinal. Assim, outras queixas aparecem. Dentre elas, uma é particularmente perturbadora: aos 37 anos, apenas, você não tem mais aquela potência sexual. Além de estar “brochando” com freqüência, tem pouquíssimo esperma e a libido está abaixo dos pés.
Para o doutor da medicina da doença, isso não é problema.  Você escolhe o remédio que solucionará a questão: Sildanafil, Tadalafil, Lodenafil ou Vardenafil. Escolha por pim-pam-pum. E sua potência melhora, mas, como consequência,  surge uma tremenda dor de cabeça, mais palpitação, vermelhidão e coriza. OK, sem problemas, basta aumentar a dose do Atenolol e tomar Neosaldina antes do sexo.  Se você precisar, instile um “remedinho” para seu corrimento nasal, ele sobrecarrega seu coração, mas seu nariz fica uma beleza!
Quando tudo parecia solucionado, aos 40 anos, você percebe que seus dentes estão apodrecendo e caindo. (Entre nós, é o antidepressivo). E tome grana para gastar com o dentista. Nessa mesma época, outra constatação: sua memória está falhando bem mais que o habitual. Mais uma vez, para seu doutor, isso não é problema: Ginkgo Biloba é prescrito.
Nos exames de rotina, sua glicose está em 110 e seu colesterol em 220. Nas costas da folha do receituário, o doutor prescreve Metformina + Sinvastatina. “É para evitar diabetes e infarto”, tranquiliza o cuidador de sua saúde (?!).
Aos 40 e poucos anos, você já toma Fluoxetina, Clonazapam, Losartana, Atenolol, Polivitamínico de A a Z, Omeprazol, Domperidona, laxante “natural”, Sildenafil, Vardenafil, Lodenafil ou Tadalafil, Neosaldina, Ginkgo Biloba, Metformina e Sinvatatina. (Convenhamos, isto está muito longe de ser saudável!). Mil reais por mês! E sem saúde!!!
Entretanto, você ainda continua deprimido, cansado e engordando. Você vai ao doutor, de novo. Troca a Fluoxetina por Duloxetina, um antidepressivo “mais moderno”. Após dois meses, você se sente melhor. (ou um pouco ‘menos ruim”). Porém, outro contratempo surge: o novo antidepressivo o faz urinar demoradamente e com jato fraco. Passa a ser necessário levantar duas vezes à noite para urinar. Lá se foi seu sono, seu descanso extremamente necessário para sua saúde.
Mas não é fácil para o seu doutor: ele prescreve Tansulosina, para ajudar na micção. Você melhora realmente. Contudo...não ejacula mais. Não sai nada! Ao doutor?
Vou parar por aqui.É deprimente. Isso não é medicina, não é saúde.
Essa história termina com uma situação cada vez mais comum: a derrocada em bloco da sua saúde. Você está obeso, sem disposição, com sofrível ereção, memória e concentração deficientes. Diabético, hipertenso. Dentes: nem vou falar. O peso elevado arrebentou seu joelho (um doutor cogitou colocar uma prótese para solucionar o problema). Surge na sua cabeça a ideia maluca de procurar um cirurgião bariátrico, para “reduzir seu estômago” e um psicoterapeuta, para cuidar do seu juízo destrambelhado, é aconselhado.
Sem grana, triste, ansioso, deprimido, pensando em dar fim à sua minguada vida e...doente, muito doente! Apesar dos “remédios” (ou por causa deles!).
A indústria farmacêutica? “Crescendo muito. Sempre bem, obrigado!”. Graças à sua valiosa contribuição por anos ou décadas. Seu doutor?  “Ótimo”, indo a congressos, com tudo pago pelos laboratórios. Tudo graças à sua doença. Ou à doença plantada passo-a-passo em sua vida.


*Publicado no jornal Bem Estar, edição nº 128, abril/2014.



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