quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Os Diferentes

Interessante a crônica do David Coimbra que li. Refere-se a pesquisas onde é constatado que somos todos iguais e que nossa origem advém dos povos africanos. E diz mais: que somente quem se julga diferente possui preconceito. Citou o matador da Noruega como exemplo. Matou todas aquelas pessoas porque as julgava “diferentes”. Só que ele é que era diferente. Se ele se sentisse igual, não as teria matado, mas as teria respeitado como pessoas tão capacitadas quanto ele.

Refleti sobre isso ao lembrar-me de um estranho diálogo que escutei.

Certo dia, o filho de um médico disse ao pai, também médico, que não gostava de estar no meio de médicos e que não fazia questão de relacionar-se com ninguém do mesmo meio, porque todos eram iguais e as conversas eram sempre as mesmas, e ele gostava de pessoas diferentes.

O pai disse ao filho:

Você não gosta de estar no meio de nós porque não consegue suportar que poderá haver alguém igual ou superior a você em conhecimento. Sua baixa autoestima não aceitaria. No meio de pessoas diferentes, sempre terá a ilusão de ser melhor do que você realmente é”.

O filho acabou se casando com uma manicure. Ele julgava-se superior a ela e ela julgava-se inferior a ele, sem entender que, na profissão dela, ela era superior a ele, pois ele jamais manejaria um alicate de cutículas com igual destreza. Todavia, ela não oferecia risco à soberba dele, o que aconteceria caso ela também fosse uma médica.

No íntimo de toda pessoa preconceituosa há um desejo insano de demonstrar superioridade devido à baixa autoestima. E em nome dessa soberba ilusória chega a pegar em armas e aniquilar o que julga ser um inimigo à sua vaidade. Diferente não é o negro, o homossexual, o adepto de certa religião ou credo; diferente é quem não se aceita como igual num mundo de iguais e que não entende que ser diferente não tem nada a ver com “fazer a diferença”. Fazer a diferença é justamente conseguir amar ao próximo acima das diferenças que possam existir e jamais desejar fazer o mal a quem pensa, ama, reza e age diferente.

sábado, 6 de agosto de 2011

Querido, Didi – Por Eliane Sinhasique*


Querido Didi:

Há alguns meses você vem me escrevendo pedindo uma doação mensal para enfrentar alguns problemas que comprometem o presente e o futuro de muitas crianças brasileiras. Eu não respondi aos seus apelos (apesar de ter gostado do lápis e das etiquetas com meu nome para colar nas correspondências).

Achei que as cartas não deveriam ser endereçadas a mim. Agora, novamente, você me escreve preocupado por eu não ter atendido às suas solicitações.
Diante de sua insistência, me senti na obrigação de parar tudo e escrever uma resposta.

Não foi por “algum motivo” que não fiz a doação em dinheiro solicitada por você. São vários os motivos que me levam a não participar de sua campanha altruísta (se eu quisesse, poderia escrever umas dez páginas sobre esses motivos).

Você diz, em sua última carta, que enquanto eu a estivesse lendo, uma criança estaria perdendo a chance de se desenvolver e aprender pela falta de investimentos em sua formação.
Didi, não tente me fazer sentir culpada. Essa jogada publicitária eu conheço muito bem. Esse tipo de texto apelativo pode funcionar com muitas pessoas, mas comigo não.

Eu não sou a ministra da Educação. Não ordeno e nem priorizo as despesas das escolas e nem posso obrigar o filho do vizinho a frequentar as salas de aula.
A minha parte eu já venho fazendo desde os 11 anos de idade, quando comecei a trabalhar na roça para ajudar meus pais no sustento da família.
Trabalhei muito e, te garanto, TRABALHO NÃO MATA NINGUÉM! Muito pelo contrário, faz bem.
Estudei na escola da zona rural, fiz Supletivo, estudei à distância e muito antes de ser jornalista e publicitária eu já era uma microempresária.

Didi, talvez você não tenha noção do quanto o Governo Federal tira do nosso suor para manter a Saúde, a Educação, a Segurança e tudo o mais que o povo brasileiro precisa.
Os impostos são muito altos! Sem falar dos impostos embutidos em cada alimento e em cada produto ou serviço que preciso comprar para o sustento e sobrevivência da minha família.

Eu pago pela educação duas vezes: pago pela educação na escola pública, através dos impostos, e na escola particular, mensalmente, porque somente a escola pública não atende com ensino de qualidade que, acredito, meus dois filhos merecem.

Não acho louvável recorrer à sociedade para resolver um problema que nem deveria existir, pelo volume de dinheiro arrecadado em nome da educação e de tantos outros problemas sociais.

O que está acontecendo, meu caro Didi, é que os administradores dessa dinheirama toda não veem a educação como prioridade. Para eles, a educação lhes retira a subserviência e esse fato por si só não interessa aos políticos que estão no poder. Por isso, o dinheiro está saindo pelo ralo; estão jogando fora ou aplicando mal.

Para você ter uma ideia, na minha cidade cada alimentação de um presidiário custa para os cofres públicos R$ 8,83 (oito reais e oitenta e três centavos), enquanto que a merenda de uma criança na escola pública custa R$ 0,20 (vinte centavos). O governo precisa rever suas prioridades, você não concorda? Você pode ajudar a mudar isso. Não acha?

Você diz em sua carta que não dá para aceitar que um brasileiro se torne adulto sem compreender um texto simples ou conseguir fazer uma conta de matemática. Concordo com você.
É por isso que sua carta não deveria ser endereçada à minha pessoa. Deveria ser endereçada à Presidente da República.
Ela é “a cara”! Ela é quem tem a chave do cofre e a vontade política para aplicar os recursos.

Eu e mais milhares de pessoas só colocamos dinheiro lá para que eles façam o que for correto e necessário para melhorar a qualidade de vida das pessoas do País, sem nenhum tipo de distinção ou discriminação. Mas não é o que acontece.

No último parágrafo da sua carta, você joga, mais uma vez, a responsabilidade para cima de mim, dizendo que as crianças precisam da “minha doação” e que a “minha doação” faz toda a diferença...
Lamento discordar de você, Didi. Com o valor da doação mínima de R$ 15,00 (quinze reais) eu posso comprar 12 quilos de arroz para alimentar minha família por um mês, ou posso comprar pão para o café da manhã para 10 dias.

Didi, você pode até me chamar de muquirana, não me importo, mas R$ 15,00 (quinze reais) eu não vou doar! Minha doação mensal já é muito grande. Se você não sabe, eu faço doações de 27,5% de tudo o que ganho.
Isso significa que o governo leva mais de um terço de tudo que eu recebo e posso te garantir que essa grana, se ficasse comigo, seria muito melhor aplicada na qualidade de vida da minha família.

Você sabia que para pagar impostos eu tenho que dizer NÃO para quase tudo que meus filhos querem ou precisam? Meu filho de 12 anos quer praticar tênis e eu não posso pagar a aulas, que são caras demais para nosso padrão de vida. Você acha isso justo? Acredito que não. Você é um homem de bom senso e saberá entender os meus motivos para não colaborar com sua campanha pela educação brasileira.

Outra coisa, Didi: mande uma carta para a presidente Dilma, pedindo para ela selecionar melhor os ministros e também os professores das escolas públicas. Só escolher quem de fato tem vocação para ser ministro e para o ensino.

Melhorar os salários daqueles profissionais também funciona para que eles tomem gosto pela profissão e vistam, de fato, a camisa da educação. Peça para ela, também, fazer escolas de horário integral, escolas em que as crianças possam, além de ler, escrever e fazer contas, desenvolver dons artísticos, esportivos e habilidades profissionais. Dinheiro para isso está sobrando, sim! Diga para ela priorizar a educação e utilizar melhor os recursos.

Bem, você assina suas cartas com o pomposo título de Embaixador Especial da UNICEF para Crianças Brasileiras e eu vou me despedindo assinando: Eliane Sinhasique – Mantenedora Principal dos Dois Filhos que Pari.

P.S.: Não me mande outra carta pedindo dinheiro. Se você mandar, serei obrigada a ser mal-educada: vou rasgá-la antes de abrir.




(*) Carta aberta de Eliane Sinhasique – jornalista, radialista e publicitária – para Renato Aragão (o comediante Didi).

Mesmo para amar tem que ter limites

Quando eu era pequena, convivi com diversos tipos de “não”: “Não faças isso, podes te machucar!”; ”não subas neste muro, podes cair e quebrar um braço”; “não trates as pessoas desse jeito, sejas educada” etc. A pessoa que hoje sou foi formada por muitos desses “nãos”.

Quando crianças, o que molda o adulto que seremos é justamente os limites impostos por nossos pais. Temos de ouvir inúmeros nãos até aprendermos o que pode ser um “sim, isso é correto”. E quando nos comportamos de maneira a orgulhar nossos pais é como se tivéssemos ganhado uma medalha de honra ao mérito.

Isso, até nos apaixonarmos pela primeira vez. Caem por terra todos os alertas de nossos pais para que não nos machuquemos. Então aprendemos que amar pode nos machucar, mas que não estamos nem aí. O amor é uma força inexpugnável: não é vencido com razões, promessas ou ameaças. De nada adianta tudo isso quando estamos à flor da pele. O sentir é mais poderoso que o pensar racionalmente. Tornamo-nos reféns dos nossos sentidos.

Há quem saiba equilibrar a razão com a emoção. Pessoas assim costumam ser bem sucedidas, são equilibradas. Aprenderam com os muito “nãos” que receberam quando crianças. Sabem que não devem fazer com o outro o que não gostariam que fizessem com elas mesmas, e que o prazer com dor deve ser evitado, principalmente se o prazer for causar dor ao próximo. Abnegação, altruísmo, isso é o que eu considero o verdadeiro amor, desde que ninguém saia ferido. E isso só é possível na maturidade, quando aprendemos a controlar melhor nossos instintos.

Entristece-me ver o quanto a palavra “amor” é deturpada hoje em dia e justamente por pessoas que se dizem maduras e experientes. Em nome do amor que julgam sentir, roubam o cônjuge do próximo (a). Em nome do amor, desejam destruir uma família. Em nome do amor, investem em relacionamentos infrutíferos, mesmo sabendo que sairão machucados ou machucarão alguém. Pensam que o fato de estarem “à flor da pele” lhes confere o poder de interferir na vida de alguém, de se aproveitarem das carências alheias a seu bel-prazer. Em nome do amor, pessoas egoístas e problemáticas pensam que podem tudo, até mesmo roubar o afeto do qual se julgam merecedoras.

Não sou de meias palavras. Vou direto ao assunto. Sou contra qualquer tipo de traição. Traição é uma palavra feia; significa mentiras, subterfúgios, enganação, estratégias de como trair bem e melhor, hipocrisia. Nunca traí, pois fui ensinada desde criança que é bem melhor dormir com a consciência limpa. E meu sono sempre foi tranquilo. Vivo em paz comigo mesma e gosto da minha companhia. Jamais desejei ser feliz à custa da infelicidade alheia. E se algum dia alguém me traiu, simplesmente me afastei. Relacionamento bom é aquele que cria laços que enfeitam e não nós que apertam e ferem a carne. Amar não significa rastejar com os joelhos sangrando.

“Ama ao próximo como a ti mesmo”, diz o sermão. Mas eu acrescento: “mas começai por vós mesmos”. Quem se ama jamais vai procurar sofrer gratuitamente, mesmo em nome do amor que julga sentir, e nem irá buscar ser feliz à custa do sofrimento alheio. Pessoas que se envolvem com pessoas casadas não amam nem a si mesmas e nem ao próximo. E nem deveriam justificar seus atos ignóbeis usando este belo sentimento que se chama “amor”.
Se fossem pessoas amoráveis de fato, saberiam que o amor é livre, é justo e que não machuca nem a si e nem a ninguém.  

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Não me prendo a nada que me defina.

Não me prendo a nada que me defina. Sou companhia, mas posso ser solidão, tranquilidade e inconstância, pedra e coração. Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono. Música alta e silêncio.
Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser. Não me limito, não sou cruel comigo! Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer.
Suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato. Ou toca ou não toca.

Clarice Lispector

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O Amor de Manoela por Garibaldi

Nunca um amor me comoveu tanto quanto o de Manoela de Paula Ferreira por Giuseppe Garibaldi. Foi como se ela o tivesse esperado a vida inteira e, ao encontrá-lo, ter a tristeza de vê-lo partir com outra e novamente ficar esperando por ele até a morte. Ele preferiu ficar com Anita Garibaldi, uma mulher casada que abandonou o marido para ter uma vida de aventuras ao lado dele.

Manoela era sobrinha do grande general Bento Gonçalves e se apaixonou por Garibaldi assim que o viu. Infelizmente, a corte de Garibaldi não foi bem aceita por seu tio, que o julgava um aventureiro, um homem indigno de desposar tão bela e delicada sinhazinha de uma família tradicional.

Sob o pretexto de Manoela estar prometida a um dos filhos de Bento Gonçalves, o pedido de casamento de Garibaldi foi recusado. Mesmo assim, Manoela estava disposta a abandonar tudo para seguir com ele.



Só que, em 1839, na Tomada de Laguna, Garibaldi conheceu Anita Maria de Jesus Ribeiro, uma mulher casada.
Anita não era uma “sinhazinha”. Anita não seguia regras de uma família tradicional. Anita era inculta e humilde. Não havia convenções que a prendessem, só o desejo de abandonar uma vida fútil e insípida ao lado de um homem que não lhe inspirava orgulho algum. Apaixonou-se pela alma livre e guerreira de Garibaldi. Admiração foi o que ela sentiu por ele. E no fã de provar que era sua “cara metade”, é que se tornou uma guerreira também.

Foi com desgosto que Manoela, que esperava pelo retorno de Garibaldi, o viu chegar ao Rio Grande do Sul trazendo consigo Anita, que já se intitulava Anita Garibaldi.
Logo em seguida, com o declínio da Revolução Farroupilha, Garibaldi emigrou para o Uruguai, seguido de perto por Anita e por 900 cabeças de boi pela sua participação na revolução.

 

Manoela de Paula Ferreira retornou para Pelotas, onde morreu solteira, aos 84 anos. Jamais casou, pois o esperou por todo o restante da vida, sentada à janela, vestida de branco, chegando a ser alvo de chacotas por parte de algumas pessoas que a julgavam louca.  E ele nunca retornou, mesmo depois da prematura morte de Anita, aos 28 anos de idade.

Eu acredito que Garibaldi realmente tenha amado a Manoela. Em suas memórias referiu-se a ela desta maneira: “Uma dessas jovens, Manoela, era a senhora absoluta do meu coração: sem esperança de poder possuí-la, ainda assim não poderia deixar de amá-la. Era desposada de um dos filhos de Bento Gonçalves”.

Em relação à Anita: “Era Anita a mãe dos meus filhos, a companheira da minha vida nas boas e nas más horas, a mulher cuja coragem tantas vezes desejei fosse minha”. Garibaldi omitiu em suas memórias o fato de Anita ter abandonado o marido para ficar com ele.

Manoela amou realmente a Garibaldi. Amou-o acima de tudo, mesmo sendo tão diferente dele. Era frágil, delicada, culta, educada para ser uma ótima dona de casa, mãe e esposa dedicada. Amou-o incondicionalmente, pois amava acima das diferenças, o que é muito raro e difícil de conseguir.

Anita amou o que Giuseppe poderia significar: liberdade, uma vida de aventuras, afirmação do seu caráter obstinado, firme e resoluto. Sua natureza era igual a dele: independente, corajosa e enérgica. É mais fácil a convivência entre iguais.

Mas não sei por que, sempre desejei que a doce Manoela tivesse ficado com ele, mesmo que esperasse um bom tempo. Se eu tivesse vivido naquela época, teria torcido para que ele um dia aparecesse sob a janela da casa dela, e que ele terminasse seus dias em paz. Seu nome e o de Anita já estavam gravados na história mesmo. Só que Manoela merecia um final feliz também.

Se Anita ficou conhecida como a “Heroína dos Dois Mundos”; Manoela ficou com o eterno título de “A Noiva de Garibaldi”. Assim consta no epitáfio de seu túmulo, em Pelotas.

Anita Garibaldi       













Manoela de Paula Ferreira



      





segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Marcas de Ontem

Sinto que te conheço faz tempo
De outro milênio, de outro céu
Me diz se ainda lembras de mim
Só com o toque de tuas mãos
Posso te revelar minha alma
Me diz se reconheces minha voz...

Sinto que desnudas minha mente
Quando beijas minha testa
Me diz se trago marcas de ontem
Só com o toque de tuas mãos
Posso te revelar minha alma...

Sinto que te conheço
Sinto que lembras de mim
Me diz se reconheces minha voz...