O olhar é uma curiosidade curiosa. No mundo tudo parece estar voltado para o prazer do olhar, sedento em possuir todas as imagens. O olhar devora as coisas, nada deixa fora de seu alcance. Por estas razões, todos os mortais comportam-se sob o cuidado de não tropeçarem frente ao olhar alheio. Não é a queda que nos incomoda, é o olhar do outro.
Desde cedo, queremos ver tudo. Queremos ver o aparente e a essência das coisas. Vivemos dessa tensão da realidade. Contudo, somos decepcionados pela fragilidade da nossa percepção. Não conseguimos ver tudo. O tudo e o todo nos escapam. Por outro lado, a persistência do olhar permanece, pois o mundo nos entra por ele.
Como não satisfazemos todos os desejos, e nem seria possível saciá-los, o olhar encaminha seu foco para outros mundos acessíveis. Em uma sociedade como a nossa, midiática e sufocada pela poluição de imagens, nomeada de tantas maneiras, mas que poderia, também, ser chamada sociedade do olhar, a visão, enfadada pela fixação compulsória de ícones e modelos de telerrealidade, vê-se, de maneira abrupta, cerceada da sua fineza inerente. O grotesco passa a ser o pano de fundo cultural do olhar. Nesse sentido, a arte e o gosto estético são diluídos nos efêmeros produtos das fábricas de "sonhos". Isso significa o roubo da capacidade de projetar na vida a dialogicidade do olhar, que, do mundo, extrai seus conteúdos e, depois, os retorna sob a perspectiva humana.
Derrubado de sua poética, de sua virtuosidade artística, o olhar é orientado para a banalidade que se faz crer real. Assim, os espetáculos de "realidade", despejados pelo mau gosto da indústria do entretenimento, atravessam, como uma espada, os olhos dos telespectadores. E os olhos sangrados deixam de ver duplamente o que é invisível aos olhos, o essencial.
Um fato pouco notado nesse redimensionar do olhar, é o que acontece com o estatuto da condição humana. Só admitimos observar e ver aquilo que acreditamos ser. Se olharmos com gozo para algo, é porque nossa sensibilidade aceita ver-se no objeto visto, com altivez ou paridade. O macabro e o horripilante afugentam o olhar. O inumano cerra os olhos. Mas os olhares mundiais parecem não achar horripilantes nem macabras algumas pessoas vigiadas, experimentadas de maneira laboratorial entre quatro paredes. Muito ao contrário, regozijam-se com o zoológico.
Com "sutileza" o mundo da mídia deu início a novos formatos da condição humana. Quem poderia imaginar algum dia um zoológico humano? Pois é isso o que acontece agora. Pessoas vigiadas por câmeras, vinte e quatro horas por dia, sinalizam os parâmetros de como nos percebemos como pessoas e de como nos deixamos manipular pelos sistemas mercadológicos, que estabelecem a prisão dos pretensos livres que pensam ver aprisionados, mas são monitorados, pegos pela subjetividade "emancipada" na modernidade.
Vista com mais rigor, essa experiência do olhar, e o seu humano estabelecido, é o rescaldo de ideias que permanecem no inconsciente coletivo de quem detém o poder de trabalhar os bens de natureza simbólica. Todas as vivências totalitárias passadas refletiram, a partir de "castas elevadíssimas", seres de categorias inferiores, manipuláveis e domesticáveis. Nossa diferença, em relação ao passado, é que nos aceitamos todos sujeitos a estarmos, um dia desses, nas grades dos olhos eletrônicos. Damos consentimento fácil aos que querem transformar nossas consciências através das lisonjas da fama. Deixamos o humano ser reduzido à fictícia realidade do zoológico, sem percebermos a armadilha de um dia sermos devorados pela falta de "humanos demasiados humanos".
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