Eu me experimento
inacabado. Da obra, o rascunho. Do gesto, o que não termina.
Sou como o rio em
processo de vir a ser. A confluência de outras águas e o encontro com filhos de
outras nascentes o tornam outro. O rio é a mistura de pequenos encontros.
Eu
sou feito de águas, muitas águas. Também recebo afluentes e com eles me transformo. O que sai de mim cada
vez que amo? O que em mim acontece quando me deparo com a dor que não é minha,
mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim? Eu me transformo em
outros? Eu vivo para saber. O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado.
O que sei é que a vida me afeta com seu poder de vivência. Empurra-me para
reações inusitadas, tão cheias de sentidos ocultos. Cultivo em mim o acúmulo de
muitos mundos.
Por vezes o cansaço
me faz querer parar. Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta.
Os encontros são muitos; as pessoas também. As chegadas e partidas se misturam
e confundem o coração. É nesta hora em que me pego alimentando sonhos de
cotidianos estreitos, previsíveis.
Mas quando me enxergo
na perspectiva de selar o passaporte e cancelar as saídas, eis que me aproximo
de uma tristeza infértil.
Melhor mesmo é
continuar na esperança de confluências futuras. Viver para sorver os novos rios
que virão.
Eu sou inacabado.
Preciso continuar.
Se a mim for
concedido o direito de pausas repositoras, então já anuncio que eu continuo na
vida. A trama de minha criatividade depende deste contraste, deste inacabado
que há em mim. Um dia sou multidão; no outro sou solidão. Não quero ser
multidão todo dia. Num dia experimento o frescor da amizade; no outro a febre
que me faz querer ser só.
Eu sou assim. Sem culpas.
(Padre Fábio de Melo)
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