domingo, 23 de janeiro de 2011

CRIAR RAÍZES OU FIXAR ÂNCORA?

“O pequeno príncipe atravessou o deserto e encontrou apenas uma flor; uma flor de três pétalas, uma florzinha insignificante.
- Bom dia – disse o príncipe.
- Bom dia – disse a flor.
- Onde estão os homens? – perguntou ele educadamente.
A flor, um dia, vira passar uma caravana:
- Os homens? Eu creio que existem seis ou sete. Vi-os faz muito tempo. Mas não se pode nunca saber onde se encontram. O vento os leva. Eles não têm raízes. Eles não gostam das raízes.
- Adeus – disse o principezinho.
- Adeus – disse a flor.”
Este trecho faz parte da fábula O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry.
Esta fábula foi criada em 1943. É nela que encontramos a célebre frase “só se vê bem com o coração, pois o essencial é invisível aos olhos”. A fábula trata da experiência imaginária de Exupéry - que era aviador - junto ao principezinho, um viajante que, antes de chegar a Terra, o sétimo dos planetas visitados, passou por vários outros planetas “colhendo” aprendizados que, depois, repassou ao narrador.
Neste encontro com uma flor de três pétalas o principezinho procura pelos homens, seres que, segundo a flor, são incapazes de lançar raízes porque as desprezam.
Lembrei-me desse trecho ao ler um excerto do livro “A Arte da Vida”, de Zigmunt Bauman (sempre ele).  Bauman faz uma excelente comparação entre fixar raízes e lançar âncora, em se tratando da arte da vida.
Antigamente era imperioso que as pessoas constituíssem família e gerassem prole. Era preciso dar um sentido de permanência à vida. Plantava-se a semente, a qual criava raízes, germinava e crescia, dando frutos ou não, dependendo dos cuidados das mãos que a semeara.  O que era cultivado era irremovível, exceto quando arrancado ou destruído por alguma tempestade. Enfim, a instituição família representava a solidez, sendo somente apartada pelas intempéries da vida.
Toda essa metáfora foi para dizer que, hoje em dia, em nossa sociedade contemporânea, apesar da fecundidade do solo, bons semeadores são raros. Bom semeador é aquele que, uma vez plantada a semente, sabe que é preciso cuidar para que a planta cresça saudável e longe das ervas daninhas ou de predadores. Ele sabe que a colheita de bons frutos dependerá de sua paciência e dedicação.  O mau semeador sempre é um insatisfeito. Egoisticamente, sempre pensa que pode haver solos melhores lá adiante. Transforme a palavra “planta” em “família” e entenderá o que quero expressar.
Num mundo repleto de pessoas confusas em relação aos próprios sentimentos, os relacionamentos são vistos mais como ameaçadores do que salutares. Famílias são construídas, mas sobre solo de areia movediça. Sem raiz, a estrutura familiar tornou-se frágil, presa apenas por laços que podem ser rompidos até por motivos banais. É como se um navio aportasse num porto, fixasse suas âncoras e esperasse que alguém viesse carregar-lhe os containers vazios.  Enquanto o porto for atraente e servir para a finalidade que o fez lançar sua âncora, o navio vai ficando. Caso não sirva mais aos seus propósitos egoísticos, içará a âncora e partirá em busca de novos portos.
Criando raízes ou apenas fixando âncora, todos procuram a mesma coisa: a felicidade. E nunca encontrei – digo enfaticamente – alguém que fosse feliz sozinho. Li, há anos atrás, que somos tão felizes quanto são nossos relacionamentos e que estes dependem da qualidade dos laços que firmamos, sejam familiares, sentimentais ou de amizade. E algo me diz que as pessoas estão mais infelizes hoje porque não podem mais contar com o sentido de permanência de outrora. Sem raízes e com portos provisórios, é natural que as pessoas sintam-se perdidas, sem rumo, sem significado algum.  A quantidade de receitas prescritas de “fornecedores de sensações temporárias de felicidade” (as famosas tarjas pretas) prova isso, quando só é preciso doses de amor, afeto e segurança emocional para motivar alguém a transformar sua vida em uma obra de arte, segundo Bauman.
Não existem pessoas infelizes: apenas pessoas sem amor algum. Refiro-me àquelas pessoas que não amam nem a si mesmas e nem ao próximo. Estas pessoas não têm como serem receptoras ou doadoras de amor. São tão solitárias quanto a flor do Saint Exupéry; ao contrário daquelas pessoas que, mesmo não sendo amadas, mas contando com o amor  dentro de si, doam-no sem esperar nada em troca. As pessoas que fazem algum tipo de trabalho voluntário sabem como é gratificante o ato de doar-se incondicionalmente. O sentimento de felicidade, se não total, pelo menos os desviam de suas próprias inquietudes.
Não existe fórmula para a felicidade, por mais que enxurradas de manuais de felicidade sejam lançadas no mercado no intuito de gerar renda aos aproveitadores de plantão das dores alheias (escritores de péssimos livros de autoajuda). Tudo é uma questão de valores aprendidos desde a infância, seja em um lar estruturado ou não, e cada pessoa opta por reagir de maneira construtiva ou destrutiva. Mas, assim como uma raiz cresce de dentro para fora, para melhor fixar suas raízes, a felicidade deve ser buscada da mesma maneira.




Os homens cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim e não encontram o que procuram. E, no entanto, o que eles buscam pode ser achado numa só rosa (Antoine de Saint Exupery).

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