domingo, 16 de janeiro de 2011

A Mulher Perdigueira - Fabrício Carpinejar

Ao ler o livro de crônicas de Fabrício Carpinejar – excelente, por sinal – cheguei à conclusão que prefiro ser uma mulher perdigueira. Isso mesmo: uma mulher perdigueira, e jamais conseguirei mudar esse meu lado trágico; todavia, posso amenizá-lo, sem, contudo, deixar-me manipular por interesses e vontades alheias.
E o que seria uma mulher perdigueira?
Antes de tudo, lembro-me do que o pai de uma amiga nos disse há décadas atrás: para manter um homem sempre ao lado é necessário ser boa cozinheira, boa na cama, idolatrá-lo e não ser ciumenta. Esses são os quatro ingredientes para manter um casamento - namoro, caso, amizade colorida etc.- saudável. Essa é a mulher ”lulu da pomerânia”.
Vejo diariamente vários exemplos de mulheres que fazem das tripas o coração para não desagradarem seus respectivos afetos. Calam, quando a vontade é de falar o que o coração sente; sorriem docemente, quando a vontade é dar uma sapatada na cabeça de algum infiel; preparam aquele jantarzinho especial, enquanto o fofo assiste à televisão, com um copo de cerveja nas mãos, quando a vontade seria de colocar um vestido bonito e jantar em algum lugar charmoso; e, claro, esmeram-se para decorar todas as posições do Kama Sutra, para exaurirem seus homens, para que eles não busquem na rua o que não têm dentro de casa. Também se tornam especialistas em massagens tailandesa, californiana, tântrica, facial, antiestresse, desportiva, preventiva, terapêutica, massagem de ego etc. Para a mulher “lulu da pomerânia”, é proibido falar em cansaço depois de um dia exaustivo. É proibido queixar-se de algo que não tenha ocorrido bem. É proibido revelar os ciúmes quando o sujeito demonstra claramente que ela não é quem pensa ser na vida dele, ou seja, a única. É proibido tentar afastar da vida dele ou falar mal das amigas Sandrinha, Julinha, Lucinha, seja com que nome o diabo costuma se disfarçar. Fazer barraco por que a Sandrinha quase se atirou no colo dele? Nem pensar! É proibido, também, dizer “não, hoje não estou a fim”. É proibido telefonar para saber como ele está: eles interpretam isso como perseguição ou tentativa de controlá-los. Enfim, é um crime não ser uma deusa e ter sentimentos imperfeitos. Somente a eles pode ser dado o direito da imperfeição. A justificativa? São homens, e não são encontrados facilmente.
É claro que nem todos os homens apreciam as lulus. Existem homens que permitem a mulher ser, em sua real essência, e até se sentem orgulhosos dela. Homens como Fabrício Carpinejar.
Eis como ele descreve uma mulher perdigueira, que dá nome ao livro:
Quero uma mulher perdigueira, possessiva, que me ligue a cada quinze minutos para contar uma ideia ou uma nova invenção para salvar as finanças, quero uma mulher que ame meus amigos e odeie qualquer amiga que se aproxime. Que arda de ciúme imaginário para prevenir o que nem aconteceu. Que seja escandalosa na briga e me amaldiçoe se abandoná-la. Que faça trabalhos em terreiro para me assustar e me banhe de noite com o sal grosso de sua nudez. Que feche meu corpo quando sair de casa, que descosture meu corpo quando voltar. Que brigue pelo meu excesso de compromissos, que me fale barbaridades sob pressão e ternuras delicadíssimas ao despertar. Que peça desculpa depois do desespero e me beije chorando. A mulher que ninguém quer eu quero. Contraditória, incoerente, descabida. Que me envergonhe para respeitá-la. Que me reconheça para nos fortalecer”.
Enfim, a mulher perdigueira é, segundo a visão de Carpinejar, possessiva, escandalosa, preocupada e apaixonante. Uma mulher para homens fortes. Para outros, ela é uma doida varrida, mas, para Carpinejar, louco é quem não demonstra sua necessidade. E finaliza: “com uma mulher ciumenta ao lado, nunca estamos isolados, tristes ou feios”.


"A mulher perdigueira sofre um terrível preconceito no amor.
Como se fosse um crime desejar alguém com toda intensidade. Ela não deveria confessar o que pensa ou exigir mais romance. Tem que se controlar, fingir que não está incomodada, mentir que não ficou machucada por alguma grosseria, omitir que não viu a cantada do seu parceiro para outra.
Ela é vista como uma figura perigosa. Não pode criar saudade das banalidades, extrapolar a cota de telefonemas e perguntas. É condenada a se desculpar pelo excesso de cuidado. Pedir perdão pelo ciúme, pelo descontrole, pela insistência de sua boca.
Exige-se que seja educada. Ora, só o morto é educado.
O homem inventou de discriminá-la. Em nome do futebol. Para honrar a saída com os amigos. Para proteger suas manias. Diz que não quer uma mulher o perseguindo. Que procura uma figura submissa e controlada que não pegue no seu pé.
Eu quero. Quero uma mulher segurando meus dois pés. Segurar os dois pés é carregar no colo.
Porque amar não é um vexame. Escândalo mesmo é a indiferença”

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