Alma gêmea seria a metade que nos falta, aquela parte que, ao ser encontrada, faria com que não nos sentíssemos mais sozinhos, pois haveria uma completa comunhão de espírito, de mente, de corpos, e nada, mas nada mesmo, poderia separar seres tão semelhantes em tudo, na maneira de pensar, de sentir, de agir. Aliás, a fusão seria tão grande que até no aspecto físico seriam parecidos.
É o que dizem.
Entre almas gêmeas haveria um entendimento à primeira vista, um significativo olhar de reconhecimento. Uma atração irresistível, um “déjà vu”, como se fosse um encontro entre seres que se conheceram em outras vidas, pois haveria a sensação de já saberem tudo da vida um do outro, como se fossem velhos conhecidos.
É o que dizem.
A alma gêmea sentiria os batimentos do coração do outro, mesmo distante, penetraria na sua intimidade/sensibilidade, emitindo sinais de onisciência onde quer que se encontre. Seria uma espécie de telepatia.
É o que dizem.
Por fim, alma gêmea seria aquela por quem estaríamos procurando a vida inteira. Por causa da ausência dela é que sentiríamos a sensação de estarmos sozinhos mesmo acompanhados, vagando pelo mundo igual a almas penadas ou zumbis, até o fatídico dia em que as duas metades pudessem enfim se juntar, amalgamar-se, fundir-se uma na outra.
É o que dizem.
Mas há de se ter cuidado para não deixar-se levar pela história contada, tão diferente da história vivida.
Pois, se fosse assim, teríamos tido várias almas gêmeas ao longo da vida, inclusive aquela que casou conosco e que foi separada após litígio, traição ou desamor. Afinal, em qualquer início de uma paixão/relacionamento sempre existe encantamento e todas as sensações que relatei acima. Ou alguém se casou/enamorou por qualquer outro motivo que não tenha sido paixão, atração, ou por acreditar que aquela pessoa seria para a vida inteira?
Se fosse assim, aquele amigo (a) que te entende mais como ninguém, que enxerga o teu estado de espírito, que muitas vezes telefona no exato momento em que você precisa conversar com alguém, também não seria uma espécie de alma gêmea?
Não acredito em almas gêmeas, não por ceticismo, mas por não valorizar a fusão entre duas pessoas quando acredito no livre arbítrio e na individualidade tão necessária para que vivamos sem opressão de espécie alguma ou dependência. Vivemos de acordo com as nossas escolhas, nossa índole, códigos de conduta e não porque estava escrito nas estrelas, nas cartas ou nos manuais do destino que aquela alma estava destinada a nós. Temperamento não é destino.
Não acredito que “minha alma gêmea” esteja vagando por aí à minha procura. Não acredito que, em um universo de possibilidades, uma única peça é que me servirá. Não, não pode ser um jogo de sorte, azar ou uma roleta-russa.
Desejar, amar, querer estar junto - no auge da paixão desejamos estar a vida inteira - nada tem de místico ou de sobrenatural. Trata-se de simpatia mútua, admiração, respeito, sensação de aconchego, que pode ou não, mais tarde, transformar-se em qualquer outro sentimento, até mesmo em ódio. Acontece até mesmo entre opostos. Quando se transforma em amor – acredito que somente com a convivência feliz seja possível – há a confirmação de que a escolha foi feita de forma consciente e sóbria. Fazer boas escolhas faz parte do autoconhecimento e da maturidade para saber lidar com as adversidades. Quem não conhece a si mesmo e vive de excessos encontrar-se-á sempre perdido e solitário, mas não por que ainda não encontrou sua alma gêmea, mas porque ainda não se encontrou consigo mesmo. É preciso estar inteiro para poder manter um relacionamento honesto. Quem não se sente pleno candidata-se a uma união de carências ou será presa fácil aos conquistadores de plantão, que tentam resolver seus próprios problemas existências à custa dos sentimentos que provocam. Experts na arte da falácia e da sedução sabem dizer o que o outro precisa ouvir, porque precisam ver-se refletidos nos olhos alheios.
“No brilho ofuscante da pessoa escolhida, minha própria incandescência encontra seu reflexo resplandecente”...Isso não sugere um ego expansivo, inseguro, desesperado por confirmar seus méritos incertos, por meio de seu reflexo no espelho? Uma pessoa pela metade que procura no outro o remédio para seus males?
Com todas as minhas forças digo que é preciso entrar num relacionamento não porque o outro determina quem nós somos ou conta-nos uma história muito semelhante à nossa. Ser maduro é não precisar mais de espelhos. É preciso estar consciente de si mesmo, plenamente sabedor do que se quer e estar sóbrio para ver se a hipoteca do relacionamento valerá a pena em longo prazo.
Até mesmo o espiritismo refuga o encontro das almas gêmeas. Diz o espiritismo que “não existe união particular e fatal entre duas almas” (298). O que existe é a união de espíritos simpáticos, mas em diferentes graus, de acordo com a perfeição que adquiriram: “quanto mais perfeitos, mais unidos”. Diz ainda que a expressão “metade” é inexata (299). Se um espírito fosse metade do outro, então metades que jamais se encontrassem viveriam eternamente se sentindo incompletas e infelizes?
De acordo ainda com o livro dos espíritos (302) a identidade necessária para a simpatia perfeita não consiste na semelhança de pensamentos e sentimentos, ou ainda na uniformidade dos conhecimentos adquiridos, mas na igualdade dos graus de elevação.
“A teoria das metades eternas (almas gêmeas) é apenas uma figura que representa a união de dois Espíritos simpáticos. É uma expressão usada até mesmo na linguagem comum e não deve ser tomada ao pé da letra. Os espíritos que dela se servem certamente não pertencem a uma ordem elevada (...) É preciso rejeitar essa ideia de dois Espíritos criados um para o outro, e que deverão, portanto, um dia, fatalmente, se reunir, após estarem separados durante um espaço mais ou menos longo”...(Livro dos Espiritos)
Utilizei esta vertente mesmo sabendo que muitos não são espíritas para expressar que qualquer união nada tem de cármica ou de relação com vidas passadas. O que há é apenas um encontro de espíritos/indivíduos simpáticos que podem ou não vir a amar um ao outro, dependendo do grau de elevação de cada um.
Não acredito em amor de vidas passadas e nem em almas gêmeas. Acredito apenas no amor entre duas pessoas inteiras e não em metades sofríveis que se encontram para que cada uma resolva seus problemas através do outra. Amar não é sentir-se inseguro com as incertezas do outro, mas sentir-se aconchegado. O amor não é um registro de erros passados o qual temos de consertar nesta vida e, consequentemente, um arquivo de mágoas que temos de compartilhar com o outro. O que sentimos por determinada pessoa tem de ser baseado na fé e não no medo de estar incorrendo em erros que ferirão princípios de conduta. Ninguém se sentirá melhor se seus princípios éticos e morais forem modificados por influências externas ou ideias que outras ou elas próprias impuseram. Sentimento de culpa ou ressentimento decididamente não é amor.
Por fim, não acredito em almas gêmeas e nem em frações desejando encontrar seu siamês ou clone no intuito de aplacar a insatisfação para consigo mesmas ou seus desejos egoísticos, mas acredito na procura e no encontro de duas pessoas autônomas, inteiras e disponíveis, que conseguem amar sem perverter o outro com exigências, cobranças ou chantagens, e que se aceitam mutuamente sem a passividade emocional que advém da dependência.
O amor tem de ser fraterno e não individual. E, sendo assim, não há somente uma única pessoa neste mundo destinada a nos fazer felizes, mas várias pessoas capacitadas a dar-nos amor de forma genuína, bastando, para isso, que saibamos diferenciar o que é real daquilo que seria apenas um sonho impossível.
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