sábado, 12 de fevereiro de 2011

Fora de Mim

Acabei de reler o livro “Fora de Mim”, da Martha Medeiros, onde são relatadas, em primeira pessoa, as agruras de uma mulher pelo fim de um relacionamento. Conforme a autora, em uma entrevista, o tema do livro surgiu há dois anos, quando de um rompimento doloroso. A autora deu-se conta, então, de que nada adianta a maturidade e equilíbrio emocional quando a morte do amor acerta em cheio tudo o que se construiu ao longo do tempo em termos de sonhos e fantasias. Mas o livro não se refere ao término de um casamento já desgastado pelo tempo, que termina em divórcio já esperado e, por isso mesmo, sem traumas. Refere-se à morte de uma paixão avassaladora, aquela que nos pega quando menos esperamos e termina quando uma das partes vai embora, seja lá por que motivo. Quem sofre é a parte que fica.

Martha, no início do livro, equipara as dores de uma separação ao de um acidente aéreo:
"Depois desse breve período em que ninguém tem certeza se está vivo ou morto, começam a surgir os primeiros movimentos, os primeiros gemidos, uma sinfonia de lamentos que dará início ao que está por vir: o depois”.

O fim de um relacionamento, dependendo da intensidade com que foi vivenciado, deixa um vácuo de existência, um buraco aberto, uma sensação de irrealidade, fazendo com que nos sintamos mortos-vivos fingindo ser pessoas normais.
"Era paixão inveterada, paixão de doer, paixão de não dar certo mesmo, paixão de perder o tino, e perdi por completo (...). Eu que prezo tanto a lógica, não entendo mais nada, mergulhei no escuro da minha perplexidade (...). Já estou enxugando as lágrimas, procurando meu celular para fazer uma ligação qualquer, esses compromissos que a gente inventa para fingir que a vida continua (...). Não consigo mais ser uma pessoa comum.”

Como Martha, e como muitas outras pessoas, independente de sexo, a narradora de “Fora de Mim” padeceu sem enxergar luz no fim do túnel quando se viu sem a pessoa que lhe roubara o juízo, de quem não sabia nem mesmo ser uma ex.

Antes dele, era casada com um sujeito pacífico, de quem se divorciara sem problema algum. Era uma mulher que sofria em um casamento morno, mas com mais “discernimento”. Depois dele, e sob o efeito viciante de uma nova paixão, dormia e acordava “com uma dor semelhante à de uma agulha enfiada na veia”. “Alguém estava retirando meu sangue, me vampirizando”, descreve no livro.

Após o fim dessa grande paixão - que a trocou por outra após dois anos de convívio (dizem que uma paixão dura apenas três anos), ela diz: “O amor desapareceu sem deixar pista, rastro, feito um crime perfeito”.

Por que de uma hora para outra vemo-nos envolvidos com uma pessoa que desperta tantos sentimentos contraditórios, que nos faz regredir aos mais primitivos desejos e vontades, subtraindo-nos até o poder de discernir o certo do errado? E quão tolos nos sentimos quando vemo-nos agindo como se fôssemos adolescentes após termos pensado já ter aprendido algo nesta vida.

Eu fico imaginando você com outra mulher, você beijando outra mulher, e isso me dá náusea que quase me faz desmaiar, fico em posição fetal, eu penso que vou ficar louca, como se já não estivesse” (...). “E no trânsito, eu só tenho olhos para as placas dos carros que são da mesma cor e marca que o seu, e quando um se aproxima eu rogo a Deus para que não seja você, e ao mesmo tempo quero que seja”.

Para quem gosta de escarafunchar as emoções alheias e sentir na pele o que é a dor de uma separação, sugiro a leitura deste livro. Certamente identificar-se-ão aquelas pessoas que, após um divórcio, sentem a necessidade de serem amadas e desejadas novamente. Aí é que ronda o perigo, um perigo interpretado erroneamente como “encantamento”.

Você me laçou, me prendeu, fui com você arrastada pelo seu ímpeto, pela surpresa em me ver de um dia para outro sua, você que era apenas uma fantasia, um fetiche, era pra ser apenas um “se” na minha vida, se surgisse, e você surgiu e instalou o céu e o inferno no mesmo playground”.

Agora, eu pergunto: O que deixa uma pessoa neste estado inerme é amor, aquele que aconchega, fortalece, completa e ensina, ou uma paixão, dessas avassaladoras, que fazem mais estragos do que bem a uma alma?
Segundo Flávio Gikovate, pessoas que por algum motivo (separação, divórcio, solidão), estejam desequilibradas tendem a se tornar mais suscetíveis a um novo envolvimento. Quando se sentem particularmente tristes e pouco competentes para suportar sua condição objetiva e subjetiva, o surgimento de uma pessoa que preencha os mínimos requisitos do que precisam já será suficiente para desencadear o encantamento. É provável que em condições mais estáveis aquela mesma pessoa não causasse o mesmo tal impacto.

Ainda segundo Gikovate, pessoas que se sentem incompletas e com baixa autoestima tornam-se mais vulneráveis às flechadas do Cupido. Encantamentos que se estabelecem de modo desesperado, quando o outro é remédio essencial para o desamparo, faz com que as partes envolvidas se agarrem ao relacionamento como se fosse a última boia do Titanic.

Martha expõe tal fenômeno em seu livro.
Olho para trás e me dá a sensação de que estávamos atuando um para o outro, você minha plateia e eu a sua, cada um tentando desempenhar o papel dos sonhos um do outro” (...). “Sabia que amores se constroem, basta um terreno propício, e terreno não nos faltava, dois recém-divorciados querendo voltar à ativa, amparar-se um no outro para virar a página dos fracassos anteriores” (...). “Hoje me pergunto se você me amou de verdade”. “Não descarto a hipótese de você ter projetado um amor em mim para vencer sua carência existencial, que era do tamanho da muralha da China” (...). Nossos beijos haviam virado respiração boca a boca, uma tentativa de sobrevivência quando já era tarde demais. Tudo que é improdutivo se torna esgotante (...). “Havia obstáculos demais para alguém que, como eu, sempre preferiu tomar impulso e ir em frente mantendo o ritmo, mas estando com você eu teria de me acostumar a um amor interrompido a cada 10 quilômetros rodados”.

O que concluo, após ler o livro, é que ninguém está imune a rupturas sentimentais ao longo da vida. Eça de Queirós já dizia que o amor é essencialmente perecível; uma vez que nasce, começa a morrer. É assim que devemos aventurar-nos numa relação amorosa, sabendo que ninguém traz estampado na testa algum atestado de garantia ou prazo de validade. Desde crianças aprendemos a ter de suportar perdas, seja de um familiar, um animal de estimação, a possível perda de nós mesmos, pois também temos de aprender a morrer. Como não levar esses ensinamentos à vida sentimental e aprender também a suportar a morte do amor?

No caso da personagem do livro, ela prefere aprofundar-se na dor, pois não há como fugir dela e entende que não será para sempre. Sofre com sabedoria, mas somente pessoas que possuem autoconhecimento conseguem a força necessária para sofrer apenas o necessário, sem agredir a si mesmas.

“....Eu sabia que terminaríamos, eu sabia que era uma viagem sem destino, sabia desde o início e não sabia, não sabia que doeria tanto, que era tanto, que era muito mais do que se pode saber, ninguém pode saber um amor, entender um amor, tanto que terminou sem muito discurso, foi uma noite em que você quase pediu, me deixe. Ora, pra que me enganar: você realmente pediu, sem pronunciar palavra, você vinha pedindo, me deixe, olhe o jeito que te trato, repare em como não te quero mais, me deixe, e eu, de repente, naquela noite que poderia ter sido amena, me vi desistindo de um jantar e de nós dois em menos de dez minutos, a decisão mais rápida da minha vida...”

Para Martha Medeiros, amar prescinde de entendimento. É uma anarquia que dispensa palavras. Mas é preciso um mínimo de entendimento para poder diferenciar o amor real da fantasia ou do fetiche. Quem entende sofrerá menos e deixará o amor ir embora quando todas as forças da natureza contribuírem para afastá-lo. Muito melhor que uma declaração de amor ao outro, é uma declaração de vida a si mesmo. Afinal, alguém gosta de sentir-se um zumbi?

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