quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Fragilidade dos Laços Humanos

Não costumo ler livros de autoajuda. E eles existem aos montes por aí, desde o que ajuda a “Como fazer xixi no mato” até o que ajuda a “Como tornar-se esquizofrênico e infernizar a vida das pessoas”. Aliás, sempre pensei que as pessoas escrevessem tais livros para curarem as próprias fobias e manias. Na verdade, não existem fórmulas para ser normal e feliz, e receitas prescritas por outras pessoas não são eficazes, uma vez que cada pessoa tem sua própria idiossincrasia.

É por isso que menciono Bauman, quando o assunto versa sobre relacionamentos. Ele não escreve sobre “Como tornar-se boazuda e conquistar rapazes difíceis”: ele escreve sobre os vínculos sociais possíveis no mundo atual, neste tempo que se convencionou denominar de pós-modernidade.

Respeitável sociólogo da atualidade, Zygmunt Bauman é professor emérito de sociologia nas Universidades de Varsóvia e de Leeds, na Inglaterra, tendo vários livros traduzidos para o português, e a obra que irei comentar é Amor Líquido, sobre a fragilidade dos laços humanos.

Diferentemente do que existe por aí - escritores medíocres que julgam poder transformar pessoas com seus livros geradores de paranoia, Bauman não se propõe a indicar ao leitor fórmulas de como obter sucesso nas conquistas amorosas, nem como mantê-las atraentes ao longo do tempo, muito menos como preservá-las dos possíveis, e às vezes inevitáveis, desgastes no decorrer da vida a dois. Ele estende o conceito “liquido” para entender toda pós-modernidade e, muitas vezes, é criticado por isto. Todavia, naquilo que diz respeito à obra Amor Líquido, o autor consegue resultados consideráveis e, deste modo, ilumina as relações amorosas do século XXI e destaca que a frouxidão é a principal característica de tais relações.

Segundo Bauman, o apelo por fazer escolhas que possam num espaço muito curto de tempo serem trocadas por outras mais atualizadas e mais promissoras, não apenas orientam as decisões de compra num mercado abundante de produtos novos, mas também parecem comandar o ritmo da busca por parceiros cada vez mais satisfatórios. A ordem do dia nos motiva a entrar em novos relacionamentos sem fechar as portas para outros que possam eventualmente se insinuar com contornos mais atraentes, o que explica o sucesso do que o autor chama de casais semi-separados. Ou então, mais ou menos casados, o que pode ser praticamente a mesma coisa. Não dividir o mesmo espaço, estabelecer os momentos de convívio que preservem a sensação de liberdade, evitar o tédio e os conflitos da vida em comum podem se tornar opções que se configuram como uma saída que promete uma relação com um nível de comprometimento mais fácil de ser rompido. É como procurar um abrigo sem vontade de ocupá-lo por inteiro. A concentração no movimento da busca perde o foco do objeto desejado. Insatisfeitos, mas persistentes, homens e mulheres continuam perseguindo a chance de encontrar a parceria ideal, abrindo novos campos de interação. Daí a popularidade dos pontos de encontros virtuais, muitos são mais visitados que os bares para solteiros, locais físicos e concretos, onde o tête à tête, o olho no olho é o início de um possível encontro. Crescem as redes de interatividade mundiais onde a intimidade pode sempre escapar do risco de um comprometimento, porque nada impede o desligar-se. Para desconectar-se basta pressionar uma tecla; sem constrangimentos, sem lamúrias, e sem prejuízos. Num mundo instantâneo, é preciso estar sempre pronto para outra. Não há tempo para o adiamento, para postergar a satisfação do desejo, nem para o seu amadurecimento. É mais prudente uma sucessão de encontros excitantes com momentos doces e leves que não sejam contaminados pelo ardor da paixão, sempre disposta a enveredar por caminhos que aprisionam e ameaçam a prontidão de estar sempre disponível para novas aventuras. Bauman mostra que estamos todos mais propensos às relações descartáveis, a encenar episódios românticos variados, assim como os seriados de televisão e seus personagens com quem se identificam homens e mulheres do mundo inteiro. Seus equívocos amorosos divertem os telespectadores, suas dificuldades e misérias afetivas são acompanhadas com o sorriso de quem sabe que não está sozinho no complicado jogo de esconde-esconde amoroso.

A tecnologia da comunicação proporciona uma quantidade inesgotável de troca de mensagens entre os cidadãos ávidos por relacionar-se. Mas nem sempre os intercâmbios eletrônicos funcionam como um prólogo para conversas mais substanciais, quando os interlocutores estiverem frente a frente. Os habitantes circulando pelas conexões líquidas da pós-modernidade são tagarelas à distância, mas, assim que entram em casa, fecham-se em seus quartos e ligam a televisão.

Zygmunt Bauman explica que hoje “a proximidade não exige mais o contato físico; e o contato físico não determina mais a proximidade”. Mas ele reconhece que “seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento, mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso”. As relações humanas dispõem hoje de mecanismos tecnológicos e de um consenso capaz de torná-las mais frouxas, menos restritivas. É preciso se ligar, mas é imprescindível cortar a dependência, deve-se amar, porém sem muitas expectativas, pois elas podem rapidamente transformar um bom namoro num sufoco, numa prisão. Um relacionamento intenso pode deixar a vida um inferno, contudo, nunca houve tanta procura em relacionar-se. Bauman vê homens e mulheres presos numa trincheira sem saber como sair dela, e, o que é ainda mais dramático, sem reconhecer, com clareza, se querem sair ou permanecer nela. Por isso movimentam-se em várias direções, entram e saem de casos amorosos com a esperança mantida à custa de um esforço considerável, tentando acreditar que o próximo passo será o melhor. A conclusão não pode ser outra: “a solidão por trás da porta fechada de um quarto com um telefone celular à mão pode parecer uma condição menos arriscada e mais segura do que compartilhar um terreno doméstico comum”.


Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman, mostra-nos que hoje estamos mais bem aparelhados para disfarçar um medo antigo: o desejo e o amor por outra pessoa. Bauman radiografa esse amor, tanto nos relacionamentos pessoais e familiares quanto no convívio com estranhos. Com a percepção fina e apurada de sempre, busca esclarecer, registrar e apreender de que forma o homem sem vínculos – figura central dos tempos modernos – se conecta.




Outras obras do autor: Comunidade; Em busca da Política; Europa; Globalização: As Conseqüências Humanas; Identidade; O Mal-Estar da Pós-Modernidade; Medo Líquido; Modernidade e Ambivalência; Modernidade e Holocausto; Modernidade Líquida, A Sociedade Individualizada; Tempos Líquidos; Vidas Desperdiçadas;  Vida  Líquida e Vida para o Consumo.

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