sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O Fim dos E-mails

Recebi um e-mail contendo um artigo publicado na Folha de São Paulo sobre o fim do correio eletrônico: o e-mail.
Na verdade, tal afirmação, primeiramente, foi de Cezar Taurion, gerente de novas tecnologias aplicadas da IBM Brasil, que participou do 17º Congresso Nacional de Auditoria de Sistemas, Segurança da Informação e Governança (CNSAI). O evento ocorreu em São Paulo entre 22 e 24 de setembro de 2009.
Segundo Taurion, a média de idade dos usuários de e-mail é de 47 anos. As gerações mais novas teriam "preferência por ferramentas de colaboração”, como: wikis, redes sociais, comunicadores instantâneos e grupos de trabalho online. Por esse motivo, o executivo acredita que o e-mail vai desaparecer.

Assim como já decretaram o fim do mundo em diversas ocasiões, esta é mais uma previsão absurda que se mostrará errada em alguns anos. O correio eletrônico poderá ser aprimorado, mas jamais extinto, exceto quando inventarem um sistema que permita as pessoas se materializarem holograficamente e realmente conversarem em tempo real. Ou, quem sabe, por pensamento. A mesma Folha de São Paulo anunciou, em 2003, que Kevin Warwik foi o primeiro homem a implantar um chip em seu corpo para tentar contato direto com computadores. Patrocinado pelo governo britânico, Kevin Warwik percorria a Ásia num afã de promover a robótica. Disse: “dentro de dez a 15 anos, implantes de microchips no cérebro poderão permitir a comunicação entre mudos”. Com planos de implantar um chip em seu cérebro ao fazer 60 anos, afirmou: “no futuro, os homens se comunicarão através do pensamento”. A idéia é que seres humanos possam interagir com computadores e entre si, promovendo uma grande ligação tecnológica.

Antes disso, penso que invenções tecnológicas possibilitarão que as pessoas possam conversar através de seus aparelhos de televisão. Imagina você conversando com seus filhos ou amigos como se estivesse assistindo a um programa de TV? Será o fim também das webcans? Todavia, vaticino que nem em quarenta anos teremos tal tecnologia, principalmente num país onde a educação é deficiente e a maioria da população só sabe acessar as tecnologias básicas.

Outro engano: confundem correio eletrônico com redes sociais. Como se “e-mail” só servisse apenas para manter contato. Até as redes sociais dependem do e-mail para funções administrativas.
E quem são os usuários das redes sociais? Os jovens até 30 anos. A geração “internética”, que jamais redigiu uma carta. Que jamais deu importância à lingua vernácula. Que apanha numa redação do vestibular, acostumada que está com “linguagem internética” (ke ke issu?). Eles entram nos sites de redes sociais 05 dias da semana, 04 vezes por dia, gastando um total de uma hora por dia. 9% desse grupo permanece nas redes o dia todo e constantemente olham para ver o que tem de novo. Vale mais a pena bisbilhotar a vida alheia a transmitir informações. Não têm o que dizer: apenas o que mostrar através de suas fotos e seus vídeos. Estudos comprovam as razões do porquê de alguns usuários de internet não estarem em nenhuma rede social. Surpreendentemente, não é porque eles odeiam tecnologia - eles gastam tanto tempo na web como os usuários de redes sociais. Em vez disso, eles não usam mídias sociais ou porque não tem tempo, ou porque não acham seguro ou até alguns pensam que é estúpido. Faço parte dos “escaldados” que consideram as redes sociais não um lugar de interação, mas um lugar onde a comunicação mediada por um computador esfria as verdadeiras relações e acentua o que há de pior nas relações humanas: a hipocrisia, a falsidade, as más intenções.

Conforme Raquel Recuero, em seu livro “Redes Sociais e Internet”, Editora sulina, 2009, o “advento da Internet trouxe diversas mudanças para a sociedade. Entre essas mudanças a mais significativa é possibilidade de expressão e socialização através das ferramentas de comunicação mediadas pelo computador. Essas ferramentas proporcionaram, assim, que atores pudessem construir-se, interagir e comunicar-se com outros atores, deixando, na rede de computadores, rastros que permitem o reconhecimento dos padrões de suas conexões.

E o que é um ator social na Internet? Por causa do distanciamento entre os envolvidos na interação social, os atores não são imediatamente discerníveis. (Aparte: Ouso mencionar Zigmunt Baumam e dizer que, nas redes sociais, contatamos apenas com um “kit identitário”, um retrato compósito capaz de conter tanto lacunas e espaços em branco quanto seções completas). Continuando....: "Um ator, assim, pode ser representado por um weblog, um fotelog, por um twitter ou por um perfil no Orkut. Sibilia (2003) chama de 'imperativo da visibilidade' da nossa sociedade atual a necessidade de exposição pessoal. Esse imperativo, decorrente da intersecção entre o público e privado para ser uma consequência direta do fenômeno globalizante, que exacerba o individualismo". (Aparte: sugiro que leiam a “Sociedade Individualizada”, do Bauman .Desculpem-me por bater na mesma tecla). Continuando.."É preciso ser visto para existir no ciberespaço. É preciso constituir-se parte dessa sociedade em rede e construir um 'eu' ali".
Em relação à interação no ciberespaço, Raquel subdivide-a em: síncrona ou assíncrona.
A síncrona é a interação em tempo real. A expectativa de resposta é imediata. Espera-se que os outros “atores” estejam disponíveis e conectados ao mesmo tempo. Já o e-mail tem características assíncronas. Espera-se que o “outro ator”, por não estar presente no momento temporal da interação, possa respondê-la depois; entretanto, não sendo obrigado a fazê-lo.
Não enalteço o jurássico e-mail em detrimento da veloz comunicação das redes sociais. Em ambos, a efetiva comunicação dependerá dos laços entre as partes, que podem ser fracos ou fortes, de acordo com o grau de intimidade, tempo disponível e recursos disponíveis. Todavia, as redes sociais suportam mais a participação esparsa, decorrente dos laços fracos. A palavra “rede”, segundo Bauman, sugere momentos nos quais “se está em contato” intercalados por períodos de movimentação A ESMO. As movimentações podem ser rompidas muito antes que se comece a detestá-las.

E as pessoas são mais felizes agora, conectadas em redes?

Infelizmente, as pessoas da “era internética” substituem as parcerias reais e autênticas pelas redes de relacionamento. Antigamente, longas cartas eram redigidas, onde era possível transmitir emoção às palavras. O que conhecemos da história foi descrito através de relatos, diários, cartas laboriosamente escritas. Sem essas cartas não nos seria possível conhecer os fatos históricos que hoje conhecemos. Hoje em dia, manter-se em “alta velocidade” torna-se deveras cansativo e a qualidade dos relacionamentos se perde em meio à quantidade de relações irrelevantes.

A mesma pessoa que me enviou o artigo sobre o “fim dos e-mails”, refere-se a mim e a ela como “mentes ultrapassadas”. Não julgo ofensivas essas palavras. Talvez os jovens, por força da necessidade, tenham aprendido que, quando se esquia sobre gelo fino, a salvação está na velocidade. Infelizmente a "velocidade" vem rebaixando os padrões dos relacionamentos ao invés de elevá-los. Para os jovens, a quantidade de amigos no Orkut é o que os torna importantes. Para nós, jurássicos ultrapassados, a felicidade está relacionada com a qualidade dos nossos relacionamentos.
Finalizando, é triste saber que e-mails se tornaram mero envio de arquivos em PPS e documentos administrativos. É triste saber que as redes sociais vêm substituindo as verdadeiras parcerias. É triste saber que, caso a profecia do “fim do e-mail” se realize, será, também, o fim do nosso bom português, pois, conforme o prêmio Nobel em literatura, José Saramago, disse, ao criticar o famigerado Twitter: "Os tais 140 caracteres reflectem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido".

Bibliografia:
 

Editora Sulina, na coleção Cibercultura. O livro é fruto do trabalho da tese de doutorado de Raquel de Borba Recuero, a qual desenvolveu várias pesquisas sobre redes sociais nos últimos anos. O livro está dividido em duas partes. A primeira é focada na discussão teórica do que são e como podem ser estudadas as redes sociais. A segunda é focada em algumas aplicações do conceito.


A individualização se tornou o destino de todo habitante de uma grande cidade contemporânea, não uma opção. A sociedade estimula os indivíduos a agirem em função dos problemas e medos que surgem diariamente. E, ao tentar fazer com que as vidas tenham sentido, os homens tendem a culpar suas próprias falhas e fraquezas pelos desconfortos e derrotas que enfrentam. Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, a reação só leva a mais isolamento. O pensador vai fundo nessa teoria e mostra como a sociologia pode contribuir para conectar as decisões e ações individuais aos medos e questionamentos mais profundos do ser humano.

Em relação à referência dos usuários das redes sociais serem “atores” de um mundo onde é preciso expor-se para existir na “Era Cibernética”, sugiro a leitura do “Homem sem Qualidades”, de Robert Musil. Não tendo qualidades próprias, herdadas ou adquiridas e incorporadas, Ulrich, o herói do livro, teve de produzir por conta própria quaisquer qualidades que desejasse possuir, usando a perspicácia e a sagacidade de que era dotado; mas nenhuma delas tinha a garantia de perdurar indefinidamente num mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma inprevisível.


 
 

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