segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Jura Secreta

Quem não se lembra dessa música dos anos 70?
Belíssima letra (e melodia) que mudou a vida de muitas pessoas.
Dizem que sua leitura foi até recomendada por psiquiatras a pacientes em processo de autoconhecimento. Dizem, mas não posso confirmar. Dizem, também, tendo em vista a época em que foi composta, que a letra expunha reflexões contra o silêncio imposto pela ditadura. Também não posso confirmar.

Só sei que cada vez que escuto essa música, vém-me à mente a Regra de Martin Heidegger e a obra “Elogio da Loucura”, de Erasmo de Rotherdam.

Para o primeiro, Heidegger, “as coisas só se revelam à consciência por meio das frustrações que provocam"; ou seja, além da efetividade, da fala e do entendimento, é preciso o ser humano experimentar a angústia e a ansiedade para poder tornar sua existência inteligível e compreensível; do contrário, ele será um completo alienado entregue apenas a uma rotina de superficialidades “públicas” em sua vida cotidiana, não sendo ninguém em particular, não tendo necessidade de algo diferente, vivendo sem interesses ou capacidade de se maravilhar. A angústia funciona para revelar o ser autêntico e suas potencialidades, e a ansiedade abre o homem para o ser e não somente para existir num mundo no qual foi jogado.

Para o segundo, Erasmo de Rotherdam, no esforço de sermos bonzinhos deixamos de viver a vida plenamente. Em algum momento das nossas vidas será preciso virar a mesa, chutar o balde, “louquear”... É preferível ser louco a hipócrita. “Aquele grão de loucura pode mudar o sabor do prato que é nossa vida, da mesma forma que o faz um grão de pimenta”.

Vou tentar resumir um artigo do Moacyr Scliar, onde ele interpreta magnificamente o Elogio da Loucura, de Rotherdam.
Louquear não se trata de fazer maluquices. Para Rotherdam, louquear tinha sentido de libertar-se, de escapar dos limites do convencional, do habitual. Louquear era virar a mesa. Não quebrar a mesa, não queimar a mesa; virá-la, simplesmente, criar um cenário diferente e, porque diferente, inspirador.
Virar a mesa, contudo, não é fácil tendo em vista como funciona a nossa cabeça. Freud postulou a existência em três estruturas psíquicas: O Ego, que é nosso jeito habitual de ser; o Superego, que representa nossos valores morais; e o Id, o troglodita que encarna nossos instintos. O Superego não deseja que viremos a mesa. Devemos deixá-la limpa e arrumada. O Id, se pudesse, reduziria a mesa em pedaços e ainda urinaria em cima. E o Ego ficaria entre os dois, perplexo, angustiado, sem saber o que fazer”.

É esse impasse que paralisa o ser humano. Dizem que as pessoas se arrependem mais pelo que não fizeram do que pelo que fizeram. Talvez porque não tenham louqueado o suficiente. A letra da canção “Epitáfio”, dos Titãs, reflete esse tipo de arrependimento. Sugiro que a escutem.

Louquear, então, no meu entendimento, é despertar da alienação (Heidegger), mudando situações que nos deixam paralisados perante a vida. É preciso calar o Superego e dizer-lhe: “Isso não pode continuar. Preciso dar um murro na mesa”. É preciso controlar os instintos do ID: “responsabilidade acima de tudo” e deixar o Ego livre.

Pois, continuando com o Scliar, “louquear, sim. Mas louquear com sabedoria, com arte. Louquear com moderação. Louquear como uma forma de mobilizar sentimentos e emoções de pessoas. Louquear como forma de dar asas à imaginação. Certamente isso não nos fará mal, e talvez até nos faça bem. Pelo menos é uma possibilidade a mais em nossas vidas (grifo meu: regra de Heidegger novamente). Como diz o psiquiatra Jurandir Freire Costa: Um grão de loucura e devaneio, quem sabe, é desta falta que padecem nossas almas, famintas de encantamento”.

A todos que já louquearam, que ainda louqueiam e aos que vão pensar em louquear daqui pra frente, boa sorte e felicidades. Alea jacta est.

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