Uma bolinha minúscula
do meu sorvete preferido. Uma só.
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é
de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e
saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar
em calorias, boas maneiras ou moderação.
O sorvete é só um
exemplo do que tem sido nosso cotidiano.A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.
Conquista a chamada
liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das
mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil’).
Adora tomar um banho
demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar aquele
cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel ridículo.
Tem vontade de ficar
em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.
Tantos deveres, tanta
preocupação em "acertar", tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...
Aí a vida vai ficando
sem tempero, politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando
melancolicamente sem tesão...
Às vezes dá vontade
de fazer tudo "errado".
Deixar de lado a régua,
o compasso, a bússola, a balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula,
inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito.
Recusar prazeres
incompletos e meias porções.
Até Santo Agostinho,
que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim:
-"Deus, dai-me
continência e castidade, mas não agora"...
Nós, que não
aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete,
bombons de muitos sabores, vários beijos
bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração saciado.
Um dia a gente cria
juízo.
Um dia.
Não tem que ser
agora.
Por isso, garçom, por
favor, me traga: cinco bolas de sorvete de chocolate, um sofá pra eu ver 10 episódios do
"Law and Order", uma caixa de
trufas bem macias e o Richard Gere, nu, embrulhado pra presente. OK?
Não necessariamente
nessa ordem.
Depois a gente vê
como é que faz pra consertar o estrago...
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