Texto de Artur da
Távola
Ela não é o mais
brilhante dos sentimentos, mas o mais sutil, delicado e penetrante. O mais
independente também. É raro ter afinidade. É muito raro. Mas, quando existe,
não precisa de palavras para se manifestar. O que você tem dificuldade de
expressar a uma pessoa não afim sai facilmente diante de alguém com quem você
tenha afinidade. Não importam o tempo, a ausência, os adiantamentos, as
distâncias, as impossibilidades. Quando há afinidade, qualquer reencontro
retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afeto no exato ponto em que foi
interrompido.
A afinidade é um
sentimento singular, discreto e independente. Não precisa do amor. Pode existir
quando ele está presente ou quando não está. Independe do amor, mas não
independe da amizade. Pode existir a quilômetros de distância. É adivinhado na
maneira de falar, escrever, de andar, de respirar. Há afinidade com pessoas a
quem apenas vemos passar, com vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada
sabemos. Há afinidades com pessoas de outros continentes a quem nunca vemos,
veremos ou falaremos.
Afinidade é uma
espécie de linguagem secreta do cérebro humano, ainda não estudada. Está
naquela parte da cabeça que os cientistas dizem ser a maior e ainda não
suficientemente explorada e usada por nós. Dessa misteriosa e grandiosa parte
do cérebro sai a linguagem da afinidade, uma linguagem sem palavra. Quem pode
afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar a sintonia com
pessoas distantes, com amigos a quem não vemos, com amores latentes, com irmãos
de não-vivido?
A afinidade é
singular, discreta e independente, repito, porque não precisa do tempo para
existir. Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem você estabeleceu o vinculo
da afinidade. No dia em que a vir de novo, vai prosseguir a relação exatamente
do ponto em que parou. Sensível é a afinidade. É ficar de longe pensando
parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem. É ficar
conversando sem trocar palavras. Afinidade não é temporária, não passa com o
tempo e a distância. Aliás, é o único sentimento superior ao tempo.
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