quarta-feira, 22 de junho de 2011

Blue Valentine Gaúcho

Marta e Kadu conheceram-se um dia e se apaixonaram. Na época ela trabalhava e fazia faculdade. Ele possuía apenas um bom emprego. Resolveram casar. Eram jovens, tinham muitos planos e o trabalho de ambos tornou possível a compra da casa própria.
                                   
Com a vinda dos filhos, tornou-se impossível para eles realizarem sonhos ainda pendentes. Quando alguém casa e forma família, já não há mais tempo para pensar em si mesmo. É preciso abrir mão de certas coisas.

Então, quando a empresa de Kadu fechou as portas, ele viu-se desempregado. Como já possuía certa idade e não tinha formação universitária, ficou difícil para ele conseguir outro emprego.  Passou por momentos inquietantes, entrou em depressão. E juntamente com a depressão, a crise conjugal.

Se ele tivesse casado com uma “Cindy” da vida, certamente também seria abandonado pela esposa. Ela o teria acusado de não ter evoluído, de não ter pensado em crescer, de ter cultivado o desapego e de não ter tido preocupação alguma para com ela e as crianças, de ter se acomodado e não ter ambição. Esta “Cindy” teria reclamado da falta de encantamento, de orgulho e de admiração por ele. Sem dó e sem piedade o teria punido com a rejeição, até mesmo carnal. Como a “Cindy” do filme, ela teria transformado toda a paixão e a cumplicidade que os uniu outrora em ruínas da decepção.

Graças a Deus que ele casou-se com Marta, em vez de “Cindy”. Marta sabia que seu marido apenas estava atravessando um mau momento e fez valer os votos que fizera ao altar: na saúde, na doença; na alegria, na tristeza. Era o momento de tristeza dele e ela permaneceria ao seu lado, pois já haviam tido felicidades demais e estas deveriam sobrepujar as dificuldades que estavam enfrentando.

Ela desistiu de muitas coisas que fazia para poder se adequar a atual situação. E não reclamou e nem se sentiu ressentida com ele. A “Cindy” do filme ficou ressentida por ter se tornado apenas uma enfermeira quando poderia ter-se tornado uma médica. E remoía esse sentimento, culpando “Dean”, como se ele  tivesse vindo ao mundo somente para realizar os sonhos dela. Ainda bem que Marta não é uma “Cindy”. Ela sempre soube que Kadu sempre foi um marido dedicado e ótimo pai. Sacrificou-se para ajudá-la na criação dos filhos e nos afazeres da casa. Ele não conseguia ser mais do que era, então Marta daria um jeito. Seu amor de outrora não podia ser tratado como uma garrafa descartável por causa de qualquer desgaste e desencanto na relação.
E fez de tudo para que o amor dele e a constância dos sentimentos que nutria por ela não se perdessem por causa do sentimento de menos valia que o desemprego costuma causar nas pessoas.
Deixava-lhe pequenos bilhetinhos quando saía para trabalhar. Mandava-lhe mensagens encorajadoras, fazia striptease para ele à noite, insinuava-se, mesmo cansada. Era a perfeita amante de seu marido.

Tamanho esforço por parte dela deu frutos. Kadu reergueu-se, começou a trabalhar por conta própria no ramo da representação comercial e, como uma Fênix, renasceu das cinzas da destruição. Com Kadu trabalhando e ganhando bem, ela pôde voltar à faculdade, pois seu desejo de crescer profissionalmente não depende dele. Ela assim o quer e não exige que ele seja igual, tenha as mesmas ambições. Basta que Kadu continue amando a ela e aos filhos. E ela o levará consigo em todos os degraus que galgar. É uma altruísta nata!

Blue Valentine é um filme cujo título em português é enganoso: Namorados para Sempre, pois é justamente o contrário da história verídica que relatei acima. Também o cartaz com os dizeres “Quando o amor estava se perdendo, a paixão voltou a uni-los” não tem nada a ver com o enredo. O filme trata de algo muito comum hoje em dia: o quanto uma pessoa generosa sofre nas mãos de uma egoísta – Dean e Cindy respectivamente. Nenhum relacionamento sobrevive quando a parte egoísta recusa-se a contribuir para a manutenção diária do relacionamento.  O filme deveria se chamar “Ruínas de uma Paixão”, em português.

A história dos meus amigos é verdadeira. Tudo ocorreu exatamente como relatei. E adoro vê-los se tratarem de forma amorosa até hoje. Se Kadu amava Marta antes de terem passado por todas aquelas crises, ele passou a adorá-la por ela não ter sucumbido a elas e ter encontrado motivos para ainda admirá-lo e orgulhar-se dele.
Ao contrário da Cindy do filme, que se exasperava com a ardência da paixão do marido e se desgastava, Marta faz de tudo para mantê-la acesa. E ela brilha há 22 anos e brilhará até que a morte os separe. Não é uma história de amor: é uma história de vida.
Pronto! Sempre quis falar da paixão da Marta e do K adu e consegui uma oportunidade. Valeu a pena ter assistido ao Blue Valentine.

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