segunda-feira, 27 de junho de 2011

Meia-Noite no Brasil

A exemplo do filme Meia-Noite em Paris tive momentos de querer, por um golpe de magia, retornar não aos anos 20, mas aos anos 70 ou 80, na noite de sábado passado.

Vi-me numa festa irrecusável de aniversário. Os doces e salgados estavam ótimos, mas quando o DJ colocou a som a toda altura para os convidados dançarem, começou um martírio que só terminou quando voltei para casa.

Deus do céu...que músicas eram aquelas? Esperava músicas dançantes como as do meu tempo, quando Tina Charles, The Cure, Pet Shop Boys, B-52’S e tantas outras raridades embalavam os sábados à noite, mas o que escutei eram músicas saídas diretamente do inferno.

Uma das piores era mais ou menos assim em relação à letra, se é que havia letra naquele som infernal:

Eu sei que você é casado
Como é que vou te explicar
Essa vontade louca, muito louca,
Posso falar?”

Então, vem o estribilho que deixou a garotada completamente ensandecida na pista de dança:

Quero te dá, quero te dá
Quero te dá, quero te dá
Ai que vontade louca de te dá
Dá, dá, dá, dá, dá....”

E fica nesse “quero te dá” mais 569 vezes.

E olhem a letra desta outra música:

“Menininha da cidade foi pro mato e se mudou
Casou com um borrachudo que desde o nome ela gostou
Caiçara da mais doida, dos cabelo cheio de pó
Trocou a vida moderna e não larga mais do cipó
Se eu fosse um mosquitinho ia te chupar todo o dia
Ia te morder com carinho e nadar na molhadinha
E na noite em que você dormisse só de calcinha
Ia te pegar na dobrinha onde a carne é mais macia”.

Fiquei enojada ao ver as meninas rebolarem até o chão, fazendo movimentos desgraciosos com as pernas abertas enquanto os pais assistiam embevecidos de suas cadeiras. Logo em seguida os pais aderiram às danças.
Quando me perguntaram por que eu não estava dançando, respondi que dançaria quando tocasse algum sambinha de raiz ou outra música que não exigisse tanto “rebolation”. Olharam-me como se eu fosse uma beata foragida de algum convento, mas deixaram-me em paz.

É isso o que toca nas danceterias que os nossos jovens costumam frequentar? É esse tipo de lixo musical? São essas apologias ao sexo e à paternidade irresponsável?
E os pais?
Ah, os pais...Esses nada mais podem fazer senão também entrar na dança. Há limites para a liberdade de expressão em relação ao racismo, ao homossexualismo, à corrupção vista a olho nu, ao raio que o parta, mas ainda não inventaram um modo de conter letras de baixo calão que estimulam a sexualidade precoce.

Se eu tivesse o mesmo poder do personagem Gil do filme Meia-Noite em Paris, teria embarcado em algum Maverick e ido à antiga danceteria “Água Boca”, aquela da Rua Duque de Caxias, dançar ao som da Donna Summer.
              
No filme de Woody Allen, Gil, um homem do século 21 que não se conforma com a sociedade vazia em relação à cultura, durante a madrugada embarca num antigo carro e tem uma surpresa atrás da outra ao se encontrar com grandes autores, músicos e pintores da chamada Era de Ouro do cenário artístico europeu na década de 20.

O fato do encontro com o passado sempre ocorrer à meia-noite é uma alusão à história da Cinderela, só que ao contrário. Enquanto ao soar das doze badaladas a Cinderela volta à dura vida de gata borralheira, Gil sai da realidade e vive uma fantasia.

É a meia-noite que tudo se transforma em realidade ou doce fantasia, mas isso só acontece em filmes. Na vida real, temos de suportar todo o lixo que despejam diariamente sobre nós sem ao menos podermos contar com o poder da magia e do encantamento.

Tal como Gil, também estou desiludida com a falta de cultura que cada vez mais se instala na nossa sociedade vazia e consumista. Enquanto não surgirem novos Hemingway, Fitzgerald, Gertrude Stein, Cole Porter, Dalí e Buñuel e tantos outros que são citados no filme, muitas “Valeskas  Popozudas” que andam espalhadas por aí vão ficar se achando imortais.

Graças a Deus que ainda há um pouco de salvação neste mundo, como este filme imperdível de Woody Allen. Só não vai entender o que se esconde nas entrelinhas quem já perdeu a capacidade de separar o joio do trigo em se tratando de cultura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário