quarta-feira, 1 de junho de 2011

O Poder do Olfato


Fabrício Carpinejar, em uma das suas crônicas, referiu-se aos cheiros que ficaram impregnados nos recônditos da sua mente e que despertam suas lembranças cada vez que entra em contato com eles. O cheiro é “a sua memória, é seu alfabeto”.

Assim como Carpinejar, sou péssima em guardar nomes, números, detalhes, mas sou tremendamente olfativa: jamais esqueço um aroma, principalmente de algo ou de alguém que me tenha sido importante. Um odor é capaz de me aproximar, mas também de me afastar para sempre.

Um cheiro de terra molhada projeta na minha mente as lembranças da chácara do meu avô. Vejo-me criança, destruindo suas plantações com minhas traquinagens. Nestes momentos, sinto vontade de estar no meio do mato e não em meio a uma selva de pedra.

As lembranças que tenho do meu pai sempre estão associadas com o cheiro de café com leite e pãezinhos quentes. Aroma de café matinal, com família reunida antes de todos rumarem para os respectivos afazeres. Não consigo entrar numa cafeteria sem me lembrar dele.

Tenho fascinação pelo cheirinho bom de menta do creme de barbear e pela loção pós-barba que um homem usa após escanhoar-se. O cheiro de um barbear matinal, recrudescido pelo vapor da água quente do banho, é um cheiro afrodisíaco. Quando vejo um homem bem escanhoado, é como se eu sentisse cheiro de menta, mesmo estando ausente nele.

Nada tenho contra homens de barba, mas há de se ter elegância para usar uma. Homens com barbas descuidadas trazem-me à mente o cheiro de vinagre com azeite, mesmo que estejam perfumadíssimos. Explico. Num passado longínquo fui beijada no rosto pelo namorado de uma amiga, um beijo comum, de boas vindas. Acontece que ele estava com o bigode (imenso, mal aparado) molhado de vinagre e azeite da salada que estava comendo. E deixou-me com o rosto umedecido com o tempero depositado nos fios de seu bigode. Não lembro mais o nome dele e nem do dela, mas cada vez que vejo um homem com barba descuidada sinto cheiro de “barba temperada”.

Tenho um amigo muito leal e querido que “cheira” a bombom. Ele é tão meigo e gentil no trato com as pessoas que me traz às narinas cheiro de bombons cada vez que estamos reunidos num mesmo evento. Gentileza e cordialidade cheiram a bombons.

Certa vez consegui, no ápice da minha loucura por aromas, sentir asco por alguém que cheirava a “células mortas” – não sei como consegui essa façanha, mas nem o perfume Paco Rabanne com o qual ele se banhava dos pés a cabeça conseguia afastar aquele terrível cheiro de células mortas. É claro que a repulsão foi gritante. Nem que fosse o último conquistador da face da Terra eu conseguiria levar adiante um relacionamento que não fosse o de apenas amizade.

E isso é facilmente explicado pelos cientistas. É tudo uma questão de química, de feromônios, e não somente os excretados sexualmente, mas os de agregação, de alarme etc. Quem nunca sentiu cheiro de perigo no ar?

Diferenciamo-nos dos animais porque temos o dom de pensar, de racionalizar, de ter consciência da nossa existência, do nosso futuro e a percepção de tudo o que nos rodeia, mas mesmo assim somos guiados pelo instinto. E o olfato é muito poderoso.

Tão poderoso, que é usado desde os tempos mais remotos, mas de uma maneira diferente entre os sexos. Enquanto nós, mulheres, usamos nosso faro para sentirmo-nos atraídas pelo cheiro de sapatos novinhos, maquiagem, cremes hidratantes, bolsas de marca, doces, bombons etc., eles só sentem o cheiro da fêmea, e nem precisa ser a mais perfumada.

E isso as mulheres já sabiam até na Idade Média. Damas medievais usavam seus cheiros para atrair os homens. Sabem como? Elas esfregavam o odor de seus órgãos genitais no lóbulo da orelha do homem que queriam conquistar. Era tiro e queda!
O pior da história é que elas só tomavam banho uma vez por ano, mesmo assim conquistavam até príncipes e reis.

Mas quero acreditar que, nos tempos atuais, os homens pensem como o Fabrício Carpinejar:  não há o que apague da memória o cheiro de cabelos recém- lavados.

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