sexta-feira, 29 de junho de 2012

O dia em que o racismo perdeu – Por Diogo Olivier*


Em tempos de intolerância racial crescente na Europa, mesmo diante dos esforços da Fifa em contrário, o brilho maior de um negro é emblemático na Euro que ontem conheceu seus finalistas. Os golaços de Mario Barwuah Balotelli, 21 anos, que classificaram a Itália sobre a favorita Alemanha, em Varsóvia, não deveriam suscitar nada além dos elogios pela plasticidade. Foram duas buchas! Uma de cabeça, testaço à queima roupa no cruzamento de Cassano. Na outra, não fosse a rede, a bola estaria viajando até agora, quem sabe na direção da Gana de onde migraram os pais dele para a Itália, terra natal do herói da Azzurra.
Só que os princípios básicos da cidadania nos impedem de só falar em futebol após o triunfo de Balotelli. Cânticos racistas perturbadores para o mundo civilizado ainda ecoam nesta Euro em gramados poloneses e ucranianos. Van Bommel, que é branco, pediu intervenção policial em um treino da Holanda, quando torcedores poloneses molestavam jogadores descendentes de africanos com os gritos da ignorância. A Uefa multou a federação espanhola em 20 mil euros ao perceber que espanhóis imitavam macacos em provocação a Balotelli no 1 a 1 pela fase de grupos, mesma multa fixada para os russos, que igualaram a idiotice tendo como alvo o tcheco Gebre Selassie, filho de pai etíope.
Pior, muito pior, fez a Gazzetta dello Sport, um dos mais respeitados diários esportivos do mundo. Publicou uma charge de Balotelli no papel de King King no alto do Big Ben, rebatendo bolas como se fossem aviões antes do jogo contra a Inglaterra. O jornal viu-se obrigado a passar o vexame de pedir desculpas formais aos leitores e ao homem que, com seus gols, hoje ajudará a Gazzetta a vender milhares de exemplares pela vaga na final.
Atacante foi adotado por pais italianos
Balotelli é filho de pais ganeses que o abandonaram em um hospital italiano, após o nascimento. Um tribunal de menores o entregou à adoção quando ele tinha três anos. Desde lá, apoiado pelos novos pais, o temperamental Balotelli luta contra o racismo. Não fica quieto. Protesta. Chora, como ao visitar Auschwitz: os avós da mãe adotiva morreram na câmara de gás. Vibra como se dissesse “eu sou mais forte que isso”. Passa dos limites, às vezes. À France Football, disse que mataria quem atirasse bananas na direção dele na rua, irritado por ser alvo de discriminação. Mas o fato é que Balotelli, uma entre tantas vítimas do racismo, ontem golpeou os inimigos com a melhor das armas: o talento. O gol de honra da favorita, porém dominada nos 90 minutos Alemanha, marcado por Mesut Özil, de origem turca, foi a cereja no bolo da vitória sobre a intolerância. 
*Diogo Olivier é repórter no Jornal Zero Hora, de Porto Alegre.

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