segunda-feira, 9 de maio de 2011

Algemas de Falópio – Por Rubem Penz*

As imagens de uma mãe que passa na rua e deixa seu bebê em um contêiner de lixo, flagradas por câmeras de segurança, foi exaustivamente reprisada e varou fronteira por esses dias. Também pautou reportagens recordando casos semelhantes: um bebê encontrado em saco de lixo, outro no valão do esgoto, outro atirado sobre o muro. E muitos mais pipocam no noticiário, sempre com a mesma questão: por que uma mãe abandona seu filho? Respondo: porque ela, antes, o acolheu.

Aqui está uma das diferenças básicas entre homens e mulheres, impossível de ser ignorada, mesmo em tempo de brados pela igualdade: mulheres são ventres, e a Natureza criou o ventre para acolher a vida. Por sua vez, homens ejaculam, isto é, lançam a vida para longe de si. Assim, entre tantos canais de TV, poucos se lembraram de fazer aquela pergunta primeira de quem compreende o nascimento como fruto da união de um casal: onde está o pai nessa história de abandono? Respondo outra vez: ele simplesmente não está, pois só pode abandonar quem um dia acolheu.

Abrigar os filhos é tarefa precípua das mães. Assim, quando um rapaz fecunda uma parceira e, com perdão da alusão anatômica, simplesmente tira o corpo fora, pode fazê-lo sem lidar com igual parcela de culpa e sofrerá cobrança moral menos rigorosa do que aquela que será imputada à mulher. Isso é triste, injusto, errado e precisa mudar (está mudando), mas é a realidade – ou saiu a notícia de que o pai da menina jogada no lixo também poderá ser denunciado por abandono de incapaz? Ah, claro: ele não a abandonou, pois sequer a acolheu.

Eis a razão de o fardo da anticoncepção pesar tanto mais sobre os ombros das mulheres: ao nascerem, foram condenadas ao acolhimento. Por isso, nada libertou mais o sexo feminino do que os métodos anticoncepcionais. E, melhor: sem culpa, colocando as moças, finalmente, em pé de igualdade com os rapazes. Afinal, mesmo o aborto (a vida é ou não válida ainda na fase embrionária?) traz uma sombra de abandono, fazendo sofrer. A saída indolor para o impasse é entregar à mulher a chave das suas algemas de falópio.

Faz muito tempo que a elite cultural e econômica gera prioritariamente filhos planejados, usufruindo de plena liberdade de escolha. Estivessem tantas mulheres que sofrem pesadas restrições sociais atendidas por programas sérios e eficientes de conscientização em termos de fertilidade, não haveria abandono infantil. Evitando a acolhida inicial, quando involuntária ou irresponsável, preveniríamos o desamparo.

Nossas crianças não estão jogadas no lixo somente no sentido literal, aquele da notícia: também estão quando, miseráveis, sucumbem em rotinas degradantes. Contêineres metafóricos aguardam nossos anjos nas drogas, na prostituição, na exploração do trabalho infantil, nas mortes violentas, nas doenças que brotam da falta de saneamento básico, na mendicância. Todos podem ver isso sem a necessidade das câmeras de vigilância. Mas as autoridades escolhem não ver.



Rubem Penz, porto-alegrense nascido em 1964, é escritor, publicitário, baterista, compositor e percussionista. Ministra oficinas de crônicas regularmente em Porto Alegre e atua de modo free lancer em criação publicitária.




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