As palavras do “seu Clóvis”, pai de uma amiga dos meus tempos de juventude – a amizade perdura até hoje -, ainda ecoam na minha mente. Era um senhor austero, sisudo, que pouco abria a boca para sorrir, mas que, de vez em quando, dizia alguma máxima para estimular as duas “gurias” a deixarem as traquinagens de lado e começarem a pensar em levar a vida mais seriamente. Na verdade, Márcia e eu éramos terríveis. Deixávamos qualquer jovem do sexo oposto de cabelos em pé com nossos jeitos “irreverentes” de ser. Só levávamos a sério o trabalho – trabalhávamos no mesmo banco; a faculdade – eu fazia Administração e Márcia, Química – e o bar Pulperia. Rapazes eram apenas seres complicados que serviam apenas para nos divertir.
Vendo que meu destino e o de Márcia era a solteirice para o resto da vida, caso não tomássemos jeito, ele nos revelou as três regras básicas para que uma mulher pudesse prender um homem para o resto da vida:
a) Ser boa de cama;
b) Ser excelente cozinheira;
c) Não ser ciumenta.
Mas tudo ao mesmo tempo. Não valia preencher apenas um ou dois itens. É claro que caímos na risada. Que coisa do século passado, ser tão servil, subserviente. E não sentir ciúmes! Ora, somente abúlicos conseguem ser tão fleumáticos. Digo isso porque tanto eu quanto minha amiga não podíamos ser consideradas exemplos de estabilidade emocional. Ferinhas selvagens e no auge das aflições histéricas da juventude, essa coisa de levar desaforo para casa não era conosco. Lembro-me do dia em que um rapaz passou a mão no traseiro da Márcia, quando nos dirigíamos para a faculdade. Sem dizer uma palavra, ela perseguiu o rapaz durante uma quadra, deu uma voadora nele (não sei como ela conseguiu acertar-lhe os dois pés e ainda dar-lhe um soco na cabeça), derrubando-o no chão. Após, encheu-o de desaforos (o que incluiu a mãe dele) e voltou calmamente para o meu lado, como se nada tivesse acontecido.
Todavia, o tempo passou e Márcia seguiu os conselhos do pai. Tanto, que seu casamento já ultrapassa os vinte anos. Quanto a mim, nem vou comentar, mas acho que foi minha capacidade de ficar paralisada perante um fogão que me fez ser malsucedida no quesito casamento. Quero crer que tenha sido isso.
Hoje, pensando melhor e observando o que se passa ao meu redor, dou razão às sábias palavras do “seu” Clóvis. Mulher ciumenta põe tudo a perder mesmo! Ser boa de cama qualquer uma consegue desde que o par colabore, ou seja, nesse quesito, grande parte do desempenho de uma mulher depende do homem também ser bom; do contrário, nem com reza brava, exceto se a mulher for boa atriz. Em relação à arte da cocção, isso é fácil: a internet está repleta de manuais e de receitas passo a passo. Mas, em relação ao ciúme, dependerá do grau de inteligência emocional de cada uma controlar o instinto de preservação e a propensão à vilania. E isso é muito difícil. Algumas não conseguem nem sob tratamento psiquiátrico.
É claro que me refiro ao ciúme patológico, àquele que provém das fantasias, da insegurança mórbida, do instinto de posse, da incapacidade de lidar com a incerteza e que leva uma pessoa a tentar limitar os direitos de ir e vir da outra. Ciúme infundado é uma doença, pode até levar alguém a matar, como foi o caso do que foi noticiado hoje: um rapaz matou a facadas um jovem que “ficou” com uma menina na qual ele tinha interesse. Somente isso, e bastou para que o criminoso se sentisse traído, ofendido, desrespeitado em algum direito, ainda que vago e indefinido, e matasse o “usurpador de autoestima alheia”.
O ciúme normal é aquele sentimento que faz com que uma pessoa se sinta humilhada, ferida na vaidade, com a sensação de ser tratada com descaso e inferioridade, de ter sido preterida, trocada por alguém mais interessante, mas que é controlável. Ao se dar conta que tal sentimento faz mal, a pessoa ciumenta opta por reagir de outra maneira que não seja a raiva e o desejo imediato de vingança, de retaliar.
Quem já não reagiu de maneira infantil quando se encantou sentimentalmente por alguém? E quem, ao perceber o quanto essa atitude podia prejudicar um bom relacionamento, não buscou por autoconhecimento para poder lidar de forma verdadeira e adulta com a sua insegurança? Muitos, claro, eu diria a maioria, mas, infelizmente, uma minoria ainda tende a ver o outro como remédio para todas as suas dores, o salvador das garras da solidão e, por isso, tende a desejar apropriar-se de outro ser humano em nome do “amor” que sente por ele. Nessa condição, pessoas assim estão sujeitas a sofrimentos atrozes, como a rejeição, o desamparo e o abandono, pois ninguém gosta de ver-se restringido em seu modo de ser e de viver. Acabam caindo fora de um relacionamento “corrosivo”, como diria certo amigo que tive.
Não acredito em pessoas que dizem não sentir ciúme algum. Continuo afirmando a mesma coisa e não tenho mais 20 anos: somente abúlicos não conseguem sentir emoção alguma, nem mesmo as negativas. Gostar de alguém já é um risco tremendo, é como assinar um cheque em branco, pois nem sempre significa a perfeição, “uma felicidade imensa, toda a recompensa de um amor sem fim”. Mas é preciso saber amar e, ao mesmo tempo, deixar o outro em paz. Sentir menos ciúme ou mantê-lo controlado não significa amar menos o parceiro; pelo contrário, significa amar com mais intensidade, com mais respeito, bem como dar a chance do relacionamento evoluir para algo mais duradouro. Pessoas ciumentas demais premeditam o fracasso antes mesmo de o comprovarem. Gikovate disse que os que mais temem o fracasso de um relacionamento são exatamente aqueles que acabarão experimentando-o mais vezes. Eu concordo.
Só se posiciona contra o ciúme aquela pessoa que, mesmo temendo as dores e as incertezas da vida, sabe que pode suportá-las. É o meu caso.
Este vídeo é endereçado a uma amiga assumidamente ciumenta com seu parceiro e cujos atos me inspiraram estas reflexões. Perco a amiga, mas não perco a piada.
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