sábado, 7 de maio de 2011

Bacia do Xingu – A Pandora Brasileira

Gosto de filmes de ficção científica, principalmente daqueles recheados com efeitos especiais. Ninguém me tira esse prazer, mesmo que me digam ser perda de tempo ou infantilidade. Refugio-me no mundo da fantasia quando preciso afugentar da mente a realidade que leio todos os dias nos noticiários.

E um dos filmes que mais gostei de assistir foi Avatar. E agora soube que será lançado o Avatar II, com cenas mais emocionantes, pois será rodado com câmeras de alta velocidade. Muitas pessoas das minhas relações não o assistiram por julgá-lo bobo demais, sem muito a ver com a realidade. Só quem assistiu ao filme pode afirmar que nada tem de tolo, pois, mesmo sendo uma ficção, permite que tenhamos alguns vislumbres dos problemas da atualidade: a luta pela sobrevivência; o que realmente é importante para que se tenha uma boa qualidade de vida; o descaso com a natureza; a ganância do capitalismo; a salvação do planeta através da união de forças e outros significados.

A história se passa em Pandora, um planeta surreal habitado pelos Na’vi, seres integrados e conectados com a natureza. Eles vivem em paz, mas a chegada de seres humanos em busca de um poderoso minério que revolucionará a produção de energia ameaça o planeta e seus habitantes. Logo esses seres pacíficos veem-se expulsos das suas terras por máquinas terráqueas mineradoras, as quais devastam a flora e a fauna existente à procura de ricas minas, causando muito sofrimento ao povo que sobrevive da energia da Natureza. Aí é que entra em cena o personagem de Jake, um humano dividido entre a ambição exploradora dos humanos e a defesa da terra que sempre pertenceu aos Na’vi, um povo que desconhece o significado das palavras orgulho e arrogância. Eles não dizem “Eu amo você”, mas “Eu vejo você”, uma maneira de expressar que o outro é aceito incondicionalmente.


Talvez algumas pessoas o tenham achado “sem nada a ver com a realidade” por causa dos seres azulados e das plantas e animais surreais. Mas, se substituirmos esses seres diferentes por pessoas da nossa etnia, bem como plantas e animais da nossa flora e fauna, teremos um filme quase com o mesmo enredo, mas com o título de Belo Monte.

A “Pandora brasileira” fica no Pará e é o local escolhido para a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, depois da usina Três Gargantas (China) e de Itaipu (Brasil-Paraguai). A obra está prevista no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo Federal, mas o projeto existe há mais de 20 anos, sendo desenterrado no governo Lula, e não sei por quê, uma vez que, na época da ditadura, Lula e Dilma combateram  a construção dessa obra faraônica.



Para vocês saberem o tamanho da obra que devastará grande parte do território indígena, a hidrelétrica de Belo Monte propõe o barramento do rio Xingu com a construção de dois canais que desviarão o leito original do rio, com escavações comparáveis, em grandeza, ao canal do Panamá (200 milhões m3) e área de alagamento de 516km2, o equivalente a um terço da cidade de São Paulo, conforme dados da ONG CI - Brasil (Conservation Internation – Brazil) que há 18 anos trabalha pela preservação dos índios Kayapó.
Essa mesma ONG elaborou um estudo de mais de 20 mil páginas, intitulado de Estudo de Impacto Ambiental (EIA), onde comprova que, em relação à questão energética, a usina de Belo Monte operará muito aquém do esperado, tendo em vista o longo período de estiagem do rio Xingu. Ou seja, a obra mais cara do PAC não será eficiente e operará com mais perdas do que ganhos na transmissão de energia. Em vez do anunciado 11.223 MW gerará em média apenas 4.428 MW.

Na questão ambiental – aqui a analogia com o filme Avatar é mais explícita – a região pleiteada apresenta enorme biodiversidade de fauna e flora, algumas ameaçadas de extinção. Segundo os pesquisadores, o impacto da obra na bacia do Xingu não só causará perdas irreversíveis de centenas de espécies, como apresenta um modelo de desmatamento ultrapassado que não prevê reflorestamento futuro e não considera a população de 13 mil índios e 24 grupos étnicos que vivem ao longo da bacia. O barramento do Xingu representa a condenação dos seus povos e das culturas milenares que lá sempre residiram, tudo em nome da ganância e da soberba.

Acontece que, assim como ocorreu no filme Avatar, forças se reuniram a fim de salvar o território dos índios e sua diversidade social, ambiental e cultural. Houve pressões e até medidas extremadas por parte de movimentos ambientais, indígenas e religiosos e até do Ministério Público, preocupados com a preservação do meio ambiente.

A pressão foi tanta para que o projeto não fosse licenciado que, em 04/05/2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA (Organização dos Estados Americanos), solicitou oficialmente que o governo brasileiro suspenda imediatamente o processo de construção da hidrelétrica de Belo Monte, citando o “potencial prejuízo da construção da obra aos direitos das comunidades tradicionais da bacia do rio Xingu”.

Para a CIDH, o governo brasileiro descumpriu a obrigação de realizar processos de “consulta prévia, livre, informada, de boa-fé e culturalmente adequada” ao não ter consultado de forma apropriada as comunidades indígenas e ribeirinhas da região antes de levar o projeto adiante. Milhares de pessoas seriam forçadas a se deslocarem (expulsas) de seu território sem ao menos terem garantia por parte do governo de serem alocadas dignamente para outro local onde pudessem estar a salvo de doenças e epidemias, bem como uma das regiões de maior valor para a conservação da biodiversidade na Amazônia estaria seriamente ameaçada por causa da ganância dos exploradores.

A mesma Comissão também determina ao Brasil que adote medidas vigorosas que garantam a proteção e a integridade pessoal dos povos indígenas isolados na bacia do Xingu, dando um prazo de 15 dias ao Itamaraty para informar à OEA sobre o cumprimento da determinação.

Esta decisão, ao contrário do que muitas pessoas possam pensar - “Quem é a OEA para se meter nos assuntos do nosso país?” – é uma resposta à denúncia encaminhada em novembro de 2010 em nome das várias comunidades tradicionais da bacia do Xingu pelo Movimento Xingu Vivo para Sempre, pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); Prelazia do Xingu; Conselho Indígena Missionário (CIMI); Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH); Justiça Global e Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA).


Por isso, não venham me dizer que isso é coisa de americanos querendo também dominar a produção de energia no Brasil. É moda culpar os americanos por todas as mazelas dos maus governantes de outros países.
Ressalto, também, que o Ministério Público Federal do Pará impetrou 10 ações judiciais contra o projeto, os quais ainda não foram julgados, e que a decisão da CIDH determinando a paralisação imediata do processo de licenciamento e construção de Belo Monte está respaldada na Convenção Americana de Direitos Humanos, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Declaração da ONU sobre Direitos Indígenas, na Convenção sobre Biodiversidade (CBD) e na própria Constituição Federal Brasileira (Artigo 231).
Enalteço o excelente trabalho das ONGs. São essas associações sem fins lucrativos que fiscalizam os atos do Estado seja no âmbito Federal, Estadual ou Municipal, acompanhando os atos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, cuidando para que certos setores específicos da sociedade como meio ambiente, proteção, assistência social etc. tenham garantidos todos os direitos previstos na CFB.
Em se tratando do Brasil, as coisas não podem correr frouxas sem qualquer fiscalização.

Posto o vídeo belíssimo “Earth Song”, com o saudoso Michael Jackson - em homenagem às forças que se unem diariamente para salvar o planeta Terra da ganância dos homens.
 

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