domingo, 1 de maio de 2011

Histórias do Cotidiano II – Não se brinca com quem está quieto

Uma das coisas que mais me dá prazer é estar na companhia de bons contadores de história. Todo contador de história sabe envolver os interlocutores com a narrativa emocionante de algum episódio ocorrido em sua vida, fazendo uso de interpretações gestuais e expressões faciais. Geralmente é algum fato engraçado ou insólito pelo qual tenha passado. Mesmo se dando mal no final, sabe como dar um toque tragicômico, rindo de si mesmo.

E a minha vida sempre foi plena deles, dos contadores de história. Cresci em meio a eles. É por isso que sempre gostei de pessoas que não levam a vida na ponta da faca, que não ficam se lamuriando e nem ressentidas à menor contrariedade, que conseguem comunicar emoção às palavras e não somente transmiti-las. Ainda não desenvolvi aptidões que me levem a tolerar maus humores matinais, amuos e sentimentos ambíguos – sou péssima em adivinhações e jogos emocionais. Tampouco tenho o poder de caminhar sobre “areia movediça” e fico enojada se tiver de pisar em “ovos”. É por isso que gosto de cercar-me de pessoas bem-humoradas e espirituosas, mesmo sabendo que um dia, seja por qualquer motivo, possam sentir-se tristes. Pessoas espirituosas sempre buscam as respostas que precisam dentro de si e jamais cedem ao infortúnio, fazendo “da queda um passo de dança e do medo uma escada”, conforme Fernando Sabino, em seu livro Encontro Marcado. Aliás, mudanças bruscas de humor e sem motivo algum causam em mim o mesmo efeito que mudanças repentinas do tempo: sempre sou pega de surpresa. Pessoas ressentidas costumam ser piores que essas mudanças climáticas: a ausência de trovoadas torna difícil calcular onde o raio vai cair.

Tenho vários amigos (as) que me fazem rir com suas histórias mirabolantes. Um deles é meu primo, Nilo. Ele conta tão bem suas histórias que elas parecem ter ocorrido no dia anterior. E uma delas é do tempo em que ele serviu no Exército, em 1964, como paraquedista.

Ele morava com doze gaúchos na Primeira Companhia de Fuzileiros Aeroterrestre, e era comum eles ficarem ouvindo, diariamente, gracinhas a respeito da masculinidade dos gaúchos por parte de dois paraquedistas cariocas. Numa noite, ele estava fazendo a barba; ao lado, o Luís, seu amigo, lavava uma camiseta, quando passaram por eles os dois gozadores. Naquele momento, um dos cariocas, galhofeiro, perguntou ao outro:

-“Aonde você vai, gaúcho”?

E o outro responde, também fazendo troça:

- “Gaúcho não! Eu sou é homem!”- e saíram gargalhando.

Nilo e Luís se olharam, sorriram um para o outro como que dizendo: “Que FDP!”, quando Luís deu a deixa:

- “Vamos dar um pau nesses caras”?

-“É pra já!” – prontamente respondeu meu primo.

Cessaram imediatamente o que estava fazendo e foram para o pátio do quartel. Os dois cariocas estavam voltando do refeitório.

- “São esses dois” – disse Nilo ao Luís.

Luís, que estava com a gandola (jaqueta de combate camuflada) no ombro, bateu com ela com toda força na cara de um deles. O carioca, tentando entender o que estava acontecendo, quando ia abrir a boca para reclamar da atitude do Luís, levou um soco violento. Saiu correndo, assustado.

Nilo, então, diz ao Luís:

- “Agora é a minha vez”.

Ele nunca foi violento. É cavalheiro demais para ser rude com quem quer que seja e não costuma agredir alguém sem um argumento. Interpelando o segundo carioca, educadamente perguntou-lhe:

- “Que negócio é esse de dizer que gaúcho não é homem?” “Quais os motivos que o levam a pensar dessa maneira?”

O carioca, tentando tirar o corpo fora depois de ter visto o que aconteceu com seu companheiro, respondeu:

- “Eu não disse nada, eu só brinquei”.

Luís, vendo que meu primo estava prestes a perdoar o gozador, disse:

- “Nilo, tu é mole demais!” – e sem mais delongas, também dá um soco violento e certeiro no outro carioca.

A partir daí, naquela Companhia, como por encanto, acabaram as brincadeiras de mau gosto com os gaúchos.

Obs.: Essa história faz parte do livro particular de memórias do Nilo e foi-me repassada com nomes, sobrenomes e nomes de guerra, até mesmo dos que apanharam. Só que omiti para evitar uma revanche futura. Causar tempestades fora de época decididamente também não é comigo.


Nilo, à direita na foto, com o futuro Sgt. Pereira, no dia do seu primeiro salto, em 27 de maio de 1964.

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