quinta-feira, 28 de julho de 2011

Crônica da Vida Moderna I – O Calvário dos Amantes

Cansado do feijão com arroz e da apatia da esposa, Jair sucumbiu ao assédio – e às curvas - da Sandrinha, uma amiga da academia.  Era inevitável que ele comparasse aquelas coxas fornidas, espremidas dentro de um shortinho de lycra, com a camiseta e a calça fuseau (lê-se fusô) que a esposa costumava usar em casa.

Começou com um convite para um almoço e terminou num quarto de motel.
Ele estava um tanto destreinado, por isso não conseguiu executar nem a metade do que Sandrinha esperava dele, mas ela esforçou-se para dar o melhor de si, só para mostrar que era mais gostosa e gata que a mulher dele – sim, ela havia reparado na aliança na mão esquerda dele, mas isso só colocou tempero a mais na sedução. A disputa pelo fruto proibido é uma das modalidades mais acirradas em se tratando de competição entre as mulheres.

Jair, depois do “rala e rola”: -“Sou casado, mas não tenho mais nada com a minha mulher. Meu casamento está por um fio”.

Sandrinha- “Não tem problema, amor. Eu não quero compromisso mesmo. Quero só viver a vida. Sou uma mulher resolvida”.

E ficaram por duas horas conversando a respeito de si mesmos. Ele sempre se queixando das brigas com a mulher, da falta de interesse dela em querer fazer sexo três vezes ao dia, do cachorro ser o único a abanar o rabo para ele ao avistá-lo etc.

Sandrinha, penalizada com a sorte do coitadinho, fazia tudo ao contrário do que ele estava se queixando. Queria até competir com o cachorro dele, como toda boa amante.

Sentindo-se finalmente compreendido por uma mulher, Jair começou a frequentar a casa da Sandrinha nos horários em que conseguia estar disponível. Isso podia significar às 7h da manhã, às 16h da tarde (hora do cafezinho) e, eventualmente, à noite, quando ele conseguia inventar um jogo de futebol.

Sandrinha, para poder estar disponível toda a vez que seu celular tocava (e era ele), desistiu de várias coisas que fazia antes, como academia, balé, cinema com as amigas; já nem saia mais nas sextas-feiras (podia ter a sorte dele ligar) e desmarcava compromissos. Só saía se fosse para comprar lingeries provocantes, de oncinhas, de rendinhas, de seda, com penas de avestruz etc. E a geladeira estava sempre repleta das coisas que ele gostava: a cervejinha dele, a ambrosia dele, os ovinhos de codorna dele, o bacalhau.  
Nos poucos momentos que ele conseguia ficar, ou seja, até o momento em que a mulher ligava para saber onde ele se encontrava (o radar de uma esposa é incrível!), Sandrinha era amante, mulher, companheira, parceira, amiga, confidente, ninfomaníaca, santa, cozinheira, passadeira, lavadeira e....inodora! Sim, inodora, pois não podia usar perfume algum, uma vez que seu cheiro podia ficar impregnado nele e isso poderia significar um crânio quebrado.

E o tempo foi passando.

Jair: “Querida, nunca conheci uma mulher igual a você! Estou apaixonado. Qualquer dia faço uma loucura e deixo a minha mulher. Já estou quase providenciando o divórcio. Quero ficar contigo”.

Sandrinha: “Eu conheço um bom advogado. Posso te dar o telefone dele. Quando pretende deixá-la?”.

Jair: “Logo, meu amor. Agora, vamos para o quarto”.

E mais alguns meses se passaram. Jair continuava frequentando a casa da Sandrinha durante algumas horas na semana, mas sempre ficava incomunicável nos finais de semana, feriados, feriadões, datas especiais, férias etc.

Sandrinha, um tanto irritada com a procrastinação dele: “E aí, Jair? Como está o andamento do divórcio? Quando sairás de casa e ficará comigo para sempre?”.

Jair: “Logo, meu amor. Agora, vamos para o quarto”.

Mais alguns meses se passaram.

Sandrinha, de cara amarrada assim que ele entrou em seu apartamento: “Porra, cara, estou cansada de ficar à espera. Ela já sabe de nós?”.

Jair: “Calma, meu amor, ela já anda desconfiada. Logo me porá no olho da rua”.

Sandrinha: “Calma o caralho! Eu acho que você não gosta de mim, não me deseja, me acha pior que ela. Ela deve ser melhor que eu na cama, você nunca a deixará porque a ama, a AMA (aos gritos)!”.

Jair vira as costas e vai embora.

Sandrinha chora toda a noite. No dia seguinte, parece um sapo cururu de cara inchada. Sente-se péssima, a inveja e o ciúme lhe corroendo as entranhas. Imagina Jair com a mulher, fazendo amor com ela, passeando com ela e os filhos pelo shopping. E sente ódio dele, pela traição que ele está fazendo a ela.

Todavia, a saudade foi maior que o ódio. Telefona para ele e pede para conversarem. Ele aceita.

No dia do encontro, ela jura que não vai mais brigar com ele, que não vai mais pressioná-lo, que não cobrará mais um divórcio, que fará tudo o que ele quiser, mas que ele não a deixe.

Jair: “Claro, meu amor. Agora, vamos para o quarto”.

Um pouco de amor próprio grita dentro dela que o melhor seria cair fora desse relacionamento corrosivo e que a faz sofrer, mas o orgulho grita mais alto: “Não, ela não perderá para outra mulher. Fará com que ele se divorcie da rival, custe o que custar”. E se transforma numa depravada como ele jamais viu igual numa cama.

E mais um tempo passou. Jair começou a rarear as visitas, sempre justificando um compromisso aqui e ali. Ela começou a sonegar performances entre as quatro paredes. Quando ele aparecia depois de algum tempo, bancava a injuriada e dizia que estava com dor de cabeça - só por vingança.

Um dia, ele não apareceu conforme o combinado e nem justificou a ausência. Quando ele apareceu depois de passados quatro dias, ela pulou como uma jararaca na frente dele.

Sandrinha: “Por que você não apareceu? Eu sei que você tem outra. Só pode. Alguma guriazinha assanhada, uma vagabunda!” – Ela ia gritar “Quero o divórcio!” quando lembrou a tempo que não era esposa dele.

Jair, então, compreendeu. Sem dizer uma palavra, foi embora para sempre. Ele queria apenas uma amante dócil, compreensiva, paciente, tolerante e, claro, boa de cama. Não queria outra “esposa”. Se era para ter uma mulher lhe enchendo os ouvidos, então ficaria com a esposa, pois ao menos ela não ficava enchendo o saco dele e até permitia que ele saísse de vez em quando para se divertir com os amigos. O silêncio da esposa era bem melhor que os gritos da amante.

Meses depois Sandrinha o viu feliz da vida no shopping, passeando com a mulher e os filhos.

Obs.: Esta é apenas uma crônica, fruto da minha imaginação. Qualquer semelhança com os personagens será mera coincidência.

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