segunda-feira, 4 de abril de 2011

Elegância Insultuosa

Em recente visita ao Rio de Janeiro, tive o prazer de contar com a companhia da filha de um amigo, uma garota de apenas 17 anos, espirituosa e muito disposta a me mostrar as belezas daquela cidade.
Em um dos passeios, pegamos um Van que nos levaria até à praia de Ipanema. O inacreditável é que a ida até a referida praia foi a parte que mais provocou a chamada “adrenalina” em mim. A velocidade com que o motorista pilotou aquele veículo foi impressionante. Parecia que estávamos numa pista de corrida. Ele “costurava” descaradamente, corria, freava, impacientava-se quando outro veículo, mais lento, impedia-o de seguir naquela velocidade vertiginosa. Diante das “lesmas”, sempre incorria a um tipo de impropério digno de um papagaio de marujo: “Sai da frente, viado” (sic), “Vá pra PQP” e outros adjetivos incongruentes.
Em certa hora, escutei-o dizer: “Eu estou louco hoje”; no que retruquei: “Quem vai ficar louca sou eu!”.
Todavia, a única loucura que fiz foi agradecer-lhe as ondas de adrenalina que fizeram a minha viagem ficar tão emocionante, e pelo preço de R$ 2,50.
Há de se ter elegância em todos os momentos da vida, até mesmo para xingamentos. Uma elegância insultuosa. Fica mais divertido quando o interlocutor não entende nada e até agradece, pensando ser um elogio.
Sou apaixonada por palavras difíceis. Amo quando tenho de recorrer ao dicionário. Um xingamento que me faz correr a um dicionário sublima minha vontade de responder com outro despautério. Troco qualquer estultícia por uma corrida ao Houaiss. Bem-aventurados os que sabem insultar elegantemente. Será deles o reino dos bons dueladores verbais.
Aproveito o momento para me referir ao grande político baiano Ruy Barbosa.
Certa vez, Ruy Barbosa teve uma discussão acalorada com outro político de oposição ao seu partido. Entre vários impropérios e insultos, foi registrada, para a posteridade, a seguinte discussão:
Ruy, começando a perder a paciência:
- V. Ex.ª é um ancípete!
Opositor:
- E V. Ex.ª é um janicéfalo!
Ruy, atacando a moral do adversário:
- Ímprobo!
Opositor:
- Sicofanta!
Ruy:
- Somítico!
Opositor:
- Valdevino!
Ruy, ainda mais enfezado:
- Além do mais, V. Ex.ª é um completo ababelado!
Opositor, pegando o espírito da coisa:
-E V. Ex.ª é um total acárpico!
Ruy:
- Na vida pública, V. Ex.ª é um completo catecúmeno!
Opositor comparando inteligências:
- V. Ex.ª não passa de um acrânio!
Ruy:
- Apedeuta!
Opositor:
- Patego!
Opositor, ainda por saber a vasta cultura de Ruy Barbosa:
- Urumbeba!
E ainda mais agressivo e colérico:
- Para mim, V. Ex.ª mostrou ser um indivíduo abléptico!
No que Ruy revidou:
- Logo quem falando? Um detraquê!
Opositor:
- V. Ex.ª meça suas palavras! Eu nunca fui um presbiofrênico!
Ruy:
-Até concordo com V. Ex.ª, mas que é um zuruó é...
Opositor, já apelando para a ignorância:
- Acatruzo!
Ruy, no mesmo tom:
- Acataléptico!
Opositor, já puto da cara:
- Anopluro!
Ruy, com cinismo:
- Anelídeo!
Opositor:
- Cabrião!
Ruy, já sabendo que ele era puxa-saco dos poderosos:
- V. Ex.ª não passa de um janízaro!
Opositor:
- E V. Ex.ª sempre foi um súcubo!
Ruy, ironizando o opositor:
- Logo um tesserário falando nisso...
Opositor, já mais calmo:
- Aceito isso, mas nunca fui especioso.
Ruy, baixando a bola:
- Mas é uma pessoa jactanciosa...
Opositor, encerrando o debate:
- E eu não falo mais com inane.

Para poupar meus leitores de uma corrida ao Houaiss, vou expor um pequeno glossário:
Desvio de Conduta:
Ancípete – que tem duas caras, falso, inconstante;
Janicéfalo – pessoa de duas caras, pouco confiável;
Ímprobo – que não é probo, desonesto;
Sicofanta – delator, difamador;
Somítico – avarento, sovina;
Valdevino – oportunista que vive à custa dos outros.

Incompetência:
Ababelado – quem nunca termina o que começa, como os construtores da Torre de Babel;
Acárpico – pessoa incapaz de gerar frutos e produzir. Do grego Karpós (fruto);
Catecúmeno – funcionário recente e despreparado para as armadilhas do ambiente de trabalho;

Burrice:
Apedeuta: ignorante;
Acrânio: sem cérebro;
Patego: pessoa simplória, simples;
Urumbeba: otário.

Equilíbrio mental:
- Abléptico – que perdeu a visão das coisas, desequilibrado;
- Detraquê – amalucado;
- Presbiofrênico: caduco que inventa histórias sem fundamento;
- Zuruó – biruta.

Chatice:
- Acatruzo – pentelho, chato, amolador;
- Acataléptico – sujeito vacilante, burro;
- Anopluro – piolho;
- anelídeo – da família das minhocas e sanguessugas;
- Cabrião – um chato em alto grau.

Puxa-saquismo:
- Janízaro – protetor dos tiranos, que morre defendendo o chefe;
- Súcubo – dominado, subalterno lambe-botas, o que se deita sob o outro;
- Tesserário – aquele que fica entre o chefe e os subalternos, leva-e-traz, que não manda, não decide, mandalete;

Vaidade:
- Especioso – bonito por fora, feio por dentro;
- Jactancioso - pessoa vaidosa;
- Inane – pessoa frívola, vazia.

Se este post for um dislate, digo que não se trata de um descoco ou de devaneios de uma cogitabunda. Apenas uma tergiversação ocasionada por diversas galimatias oriundas de dizedelas populares.
E se, por acaso, esqueci-me de citar algum apodo, peço a meus leitores que recorram ao dicionário, pois, devido à minha leviandade – talvez parvoíce, tenha deixado passar algum motejo.
Obs: Título e palavras da revista língua portuguesa de 2006).

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