quarta-feira, 20 de abril de 2011

Histórias do Cotidiano I - O Jogo dos Amantes

Estava em um café situado no segundo andar do Bourbon da Av. Ipiranga quando notei a mulher. Não que eu repare em mulheres, mas aquela me chamou a atenção por suas atitudes insólitas. Era loira, bem vestida, com sapatos de saltos altos e parecia extremamente nervosa. Andava de um lado para o outro e parecia não se decidir por coisa alguma, mas de vez em quando perscrutava o café onde eu me encontrava como se esperasse avistar alguém. Pensei: aquela ali tem culpa no cartório. Acertei. Em seguida, chegou um rapaz também bem vestido. Olharam-se tacitamente, mas não se cumprimentaram. Ele sentou-se à mesa ao lado da minha e ficou esperando. Ela, olhando mais uma vez para os lados, disfarçando, e vendo que não havia mesmo nenhum conhecido, finalmente sentou-se à frente dele. Não escutei a conversa, mas percebi que eram amantes. É incrível como um casal de amantes consegue se parecer com uma dupla de assaltantes tramando o próximo crime só pela tensão nervosa que emanam e pela maneira como olham para os lados esperando ser reconhecidos a qualquer momento pela polícia. No caso deles, por um marido transformado em touro numa arena, bem guampudo.

Depois de algumas conversas sussurradas, ela levantou-se, pagou a conta e saiu. Depois de alguns instantes, ele a seguiu, mas sempre um pouco atrás, como se não a conhecesse. Deduzi que o próximo passo era o estacionamento, o carro dele (o dela provavelmente ficaria no estacionamento até o seu retorno) e algum lugar onde pudessem estar a sós.

Voltei a concentrar-me no meu café dando graças a Deus por eles terem ido embora. Eu já estava ficando nervosa. Também estava preocupada com a possível chegada do marido e, consequentemente, um barraco com direito a tapas e bofetões. Não sei de que lado ficaria ou em quem apostaria.

Com tanta mulher solteira e carente por aí, por que alguns homens preferem correr o risco que é de se estar com uma mulher comprometida? Pelo que tenho visto, são poucas as pessoas que conseguem ser felizes num relacionamento desse tipo. Para uma pessoa casada, um amante significa, talvez, a salvação para seu casamento falido e desgastado pela rotina. Mas, e o amante? É bom ser apenas a peça do peão num tabuleiro de xadrez?

A finalidade do peão, num tabuleiro de xadrez, é a de “salvar” uma importante peça. Os peões são os “servos”. Eles funcionam como soldados e sacrificam-se para resgatar as peças mais valiosas.

Peões


Rei e Rainha (peças valiosas)

O peão movimenta-se apenas para frente, exceto quando ele tem de “comer” alguma peça. Neste caso, ele pode movimentar-se na diagonal, mas nunca para trás. Na diagonal, ele mantém-se na mesma linha do inimigo, esperando que outro apareça (o Rei pode movimentar-se em todas as direções, mas fica limitado a uma casa só).
O jogo só termina quando uma das partes desiste, abandona o jogo ou por xeque-mate ao Rei adversário.




Isso é no jogo de xadrez.  E na vida real, o que pode acontecer com o “peão” caso consiga ficar com a “rainha”?

Será este o seu destino?



Ou este?



Resta ao cônjuge traído e abandonado rezar:


Enfim, tanto o jogo de xadrez quanto o jogo dos amantes possui o mesmo significado: o encantamento pelos elementos libidinais que levam os jogadores a satisfazer suas fantasias de onipotência e narcisismo, uma vez que oferece a gratificação ou a sublimação das pulsões (a psicologia define pulsão como um impulso energético interno que direciona o comportamento humano) pela destruição e agressão ao adversário.

Mas eu ainda prefiro a máxima de Gary Kasparov, o gênio do xadrez mundial: “O xadrez é uma tortura mental”.

E isso resume tudo.


Elenco:

Escaldada: uma mulher à toa que não tinha nada melhor para fazer, nem mesmo um jogo de xadrez ou um singelo jogo de peteca;

Loira Nervosa: quem sabe não era a mulher do meu vizinho ou a sua?

O Amante: uma criança que nunca se tornará um rei; por isso o aspecto destrutivo da rivalidade;

O Café: o da Prawer, segundo andar do Bourbon da Av. Ipiranga.

Marido Traído: se souber jogar xadrez, saberá que uma rainha, em termos de valor, não é comparável a nenhuma outra peça, exceto a outra rainha.  E existem muitas por aí. Aliás, rainha, em latim, significa Regina. O que valida àquela máxima que diz: Homem é que nem lata: uma chuta; outra cata”.


Obs.: Perdoem-me, Letícia e Adriano, mas desta vez foi impróprio para menores. Prometo corrigir isso da próxima vez.

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