Nilo, meu primo e guru, é uma figura antológica. Quem o conhece jamais esquece seu jeito hospitaleiro, e torna-se seu amigo para o resto da vida. E sabem por quê? Ele é humano, terrivelmente humano! Isso significa que ele possui todas as qualidades inerentes à natureza humana, mas também aqueles defeitinhos suportáveis. E jamais os esconde. Prova disso são os ataques de criancice que ele tem de vez em quando, principalmente se o sorveteiro da Kibon não tem mais o sorvete que ele queria. Quando isso acontece, reclama igual à criança que ficou sem seu doce preferido. Só se aquieta quando a Inês, sua esposa, o admoesta: “Deixa de criancice, Nilo, e fica quieto”. Ele obedece, mas fica amuado durante alguns minutos, resmungando algo como “a Inês sabota minhas melhores intenções”.
É comum ele convidar os amigos para jantar na sua casa. Adora receber pessoas e demonstrar suas técnicas na arte culinária. Diz sempre que “vai fazer um carreteiro” ou “assar um churrasco”. Recepciona seus convidados a rigor, ou seja, vestindo algum avental de churrasqueiro ou de cozinheiro, mas quem assará a carne ou preparará a refeição será a Inês. Ele diz que vai “fazer”, mas é a Inês quem pilotará o fogão ou manejará com habilidade os espetos. Ele só fica dando palpites e fazendo de conta que é o dono da situação. Aí é que está o segredo da Inês para manter o casamento de trinta anos: condescendência. Ela permite que ele pense ser o “homem da casa”. Inteligente, sabe que um homem detesta sentir que é a mulher que está no comando.
Se Nilo é o mentor de uma ação, Inês é a parte que age. Grande casal! Cheguei à conclusão que Inês é que é uma mulher de verdade e não a Amélia da música do Ataulfo Alves. Esta última só se submetia.
E é na casa deles que o melhor e mais verdadeiro arroz de carreteiro é feito. A maioria das pessoas tem o costume de picar carne fresca - ou sobras de churrasco -, cebolas, tomates e pimentões, colocar tudo numa panela e dizer que vai fazer um carreteiro. Perdoem-me os metidos na arte da cocção, mas o que será feito é guisado com arroz e não um carreteiro.
O poeta Jayme Caetano Braun já alardeava nestes excertos da poesia “Arroz de Carreteiro”:
Não tem mistério o feitio dessa iguaria bagual,
É charque – arroz – graxa – sal
E água pura em quantidade
Meta fogo de verdade na panela cascurrenta.
Alho, cebola ou pimenta, isso conforme a vontade.
Ah, que saudades eu tenho
Dos tempos em que tropeava
Quando de volta me apeava
Num fogão rumbeando a cheiro
E por ali – tarimbeiro, cansado de bater casco,
Me esquecia do churrasco saboreando um carreteiro
Por isso – meu prato xucro, eu não me paro acabrunhado.
Ao te ver falsificado na cozinha do povoeiro
Desvirtuado por dinheiro à tradição gauchesca,
Guisado de carne fresca não é arroz de carreteiro...
Hoje te matam à míngua, em palácio e restaurante
Mas não há quem te suplante
Nem que o mundo se derreta
Se fores feito em panela preta, servido em prato de lata,
Bombeando a lua de prata sob a quincha da carreta!
A verdadeira receita de arroz de carreteiro é esta, a qual me foi repassada pelo meu primo. Ele nunca admitirá ser um “bairrista”, por amar também à cidade do Rio de Janeiro, suas praias e atrações culturais (também serviu lá quando era paraquedista), mas jamais negará que o melhor arroz de carreteiro é aquele que ainda é feito conforme manda a tradição.
Arroz de Carreteiro, o Verdadeiro
1 kg de charque
1 cebola picada
1 colher de sopa de cheiro-verde
2 xícaras de chá de arroz
2 dentes de alho picados
6 colheres de sopa de azeite
Sal a gosto
Modo de Preparo
Deixe o charque (ou carne seca) de molho de véspera, troque a água e cozinhe até ficar macia;
Desfie;
Frite-a em uma panela com o azeite;
Quando o charque estiver dourado, coloque a cebola e o alho;
Junte o arroz e frite;
Acrescente a água fervente e cozinhe em fogo baixo até o arroz ficar macio.
Depois de pronto, salpique o cheiro-verde e sirva em seguida.
Obs.: Há quem prefira ferver o charque para dessalgá-lo. Neste caso a água da fervura não deve ser jogada fora, mas aproveitada para ferver o arroz.
Para acompanhar este prato, nada de vinhos chilenos. Uma boa sugestão é o Touriga Nacional, da vinícola Dal Pizzol, de Bento Gonçalves. Aliás, os tintos Pinot Noir ou Ancellotta, desta vinícola, são os preferidos da nossa presidenta Dilma Rousseff.
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